Numa outra Europa, numa outra
realidade e noutro Mundo, na Conferência de Berlim, ocorrida nos anos de 1884 e
1885, os principais países ditos civilizados combinam entre si a divisão do Continente
Africano. E fazem-no, de regra e esquadro na mão, em profundo desrespeito pelos
Direitos do Homem… Em 1890, a Coroa Portuguesa recebe da parte do
Primeiro-Ministro Inglês um telegrama com uma ignóbil ameaça: abandonar
imediatamente os territórios africanos entre Angola e Moçambique…
por João Aníbal Henriques
Cumprem-se hoje 130 anos desde
que Portugal sofreu uma das maiores injúrias da sua história. Pela mão de Lord
Salisbury, o então acizentado Primeiro-Ministro Britânico, chegou a Portugal um
telegrama dirigido a Sua Majestade El-Rei Dom Carlos instando a que as forças
militares Portuguesas fossem retiradas de imediato dos territórios onde se
encontravam entre as actuais fronteiras de Angola e Moçambique.
A história vinha de longe e
demonstra bem a forma como se organizou a Europa em que hoje vivemos. Em
1884/1885, em Berlim, as principais potenciais Europeias, procurando evitar uma
guerra que sabiam que seria devastadora (como foram mais tarde a I e a II
Guerras Mundiais), juntaram-se para dividir entre si os territórios africanos.
E, em profundo desrespeito pelos
povos que lá viviam, e que nem sequer são mencionados no dito tratado, fazem-no
com regra e esquadro, como se dividissem entre si os despojos de um mero saque
corsário a um navio qualquer.
De forma complementar, porque o
território africano não tinha ainda sido completamente reconhecido e explorado,
criam legislação que permite que os países que promovam essa exploração e que
ocupem os territórios que ficaram foram das partes assumidamente entregues a
cada um deles (as melhores certamente…) passam a deter direitos de posse sobre
os mesmos.
O Monarca Português, Dom Carlos
de Bragança, ciente da importância desta prerrogativa, desenvolve então o
chamado “Mapa Cor-de-Rosa” que, em linha com o que havia ficado decidido na
Conferência de Berlim, permitia a Portugal ligar os territórios de Angola e de
Moçambique, explorando a parcela de espaço que ligava ambas as colónias.
O País, sempre desprovido de
meios e da riqueza que sempre são necessários para estes grandes projectos, faz
literalmente “das tripas coração” e desenvolve um grande projecto de exploração
e ocupação do território africano, num ímpeto de descoberta que só é comparável
ao período áureo da expansão marítima renascentista.
O resultado cedo se fez sentir,
porque a Inglaterra, aliada de sempre de um Portugal dependente da bondade
externa, logo avançou com o célebre ultimatum para impor a Portugal o abandono
dos territórios que legalmente e ao abrigo das decisões tomadas em Berlim, o
País se encontrava a explorar e que legitimamente pretendia integrar no espaço
territorial Português.
Como facilmente se imagina,
restava muito pouco espaço de manobra à Coroa Portuguesa e a ordem,
desrespeitosamente enviada por correio, foi de imediato cumprida. Ficou abalada
a Corte, ficou fragilizado o Rei, ficou diminuído o País. E Portugal demorou
cerca de 50 anos a recuperar o brio perante o seu parceiro inglês.
Numa época como a actual, na qual
se afigura urgente repensar a Europa que temos e em que vivemos, vale a pena
analisar com acutilância o significado profundo do Ultimatum Inglês a Portugal.
Porque na sua origem mais próxima, ou seja, nos meandros diplomáticos da
Conferência de Berlim, se escondem grande parte dos mais significantes segredos
da diplomacia Europeia de então. E foi com essa gente, nessa geração e com base
nessa forma se ser, de estar e de pensar, que se começou a delinear o projecto
da Europa actual.
E se o desrespeito pelo próximo
foi o mais notório dos pilares então contruídos, não é igualmente displicente a
falta de respeito dos grandes pelos pequenos e dos poderosos perante os oprimidos.
A assinatura do Tratado de Maastricht,
em 1992, serviu de mote para a reformatação dos valores e princípios que haviam
nascido em 1884-1885. Mas a opressão federalista que marca este tratado (e que
nos constrange até hoje) pouco ou nada diverge da prepotência demonstrada pelos
que detinham poder no Berlim de então.
Desde essa altura até agora
tivemos na Europa duas Guerras Mundiais. Conhecemos dezenas de guerras civis e
de conflitos de todas as espécies nos quais pereceram milhões de Seres Humanos
sem culpa formada.
Chegou a hora, 130 anos depois,
para repensar esta Europa, para reponderar Portugal e para o fazer em respeito
profundo pelos valores maiores que a humanidade não pode deixar de fazer
prevalecer.