por João Aníbal Henriques
A China é o maior e o mais
populoso País do Mundo. Com os seus perto de um bilião e meio de habitantes,
ocupando uma imensidão de mais de nove milhões de quilómetros quadrados, a
República Popular da China conjuga uma história milenar, patente em cada canto
e recanto e sensível em milhares de pequenos laivos da vivência cultural do seu
povo, com uma espécie de história nova, de pouco de setenta anos, que acompanha
algo a que por lá se chama “revolução cultural” e que ditou os destinos do
controle do Partido Comunista Chinês desde o fim da guerra civil que aconteceu
em meados do Século XX.
Quando se chega à China tudo é
inesperado e a sensação que perdura, mais do que os sons marcantes e os cheiros
que preenchem todos os detalhes da sua paisagem marcante, é uma sensação de
choque cultural que se traduz num impacto muito grande.
Com um regime político muito
marcado pelo totalitarismo político do Partido Comunista, bem visível nos símbolos,
nas cores e na profusa presença de militares nas ruas das cidades, a China
empreendeu um esforço hérculeo ao longo das últimas décadas para literalmente
apagar das memórias dos seus habitantes os ensinamentos antigos que haviam dado
corpo à identidade nacional. Quem hoje
visita a China, e salvo as raríssimas excepções de monumentos ancestrais que
não foi possível demolir pelo impacto que tiveram e continuam a ter um pouco
por todo o Mundo, como a Cidade Proibida, a Grande Muralha da China, etc. vê um
país marcadamente ocidentalizado, com avenidas largas repletos de milhões de
carros em engarrafamentos constantes, enormes arranha-céus ao jeito do que se
faz na Alemanha e na América e centenas de gigantescos centros comerciais,
copiados dos que existem no Ocidente mas agigantados ao gosto chinês, nos quais
se encontram as marcas e as lojas mais importantes da Europa actual.
É por isso um banho de água fria,
para quem lá chega à espera de encontrar os vestígios da cultura milenar
chinesa, da sua forma de vestir e de estar, bem como os retorcidos telhados dos
pagodes ancestrais. Tudo isso desapareceu mercê da revolução dita cultural que
o regime empreendeu, e foi paulatinamente substituído por uma espécie de grande
cenário Ocidental onde se tenta copiar de forma espampanante o que se faz por
cá.
Mas tenta-se somente. Porque por
detrás das fachadas de vidro, dos carros alemães e das lojas mais requintadas
de Paris, sobressaem ainda os gestos antigos que os Chineses teimam em perder…
os arrotos sonoros em plena rua, a preparação de comida à porta de casa, as
cuspidelas para o chão e o lixo que esvoaça por todo o lado, contrastam de
sobremaneira com aquilo que imaginamos para um lugar assim. E depois a desordem
ordenada e controlada que existe por todo o lado. Num País onde não é possível
navegar livremente na internet, as ruas estão cheias de prostitutas e chulos
que perseguem os poucos turistas ocidentais que por ali andam, oferecendo o seu
produto e tentando levar os mais incautos para aventuras estranhas e muitos
caras das quais poucos têm a coragem de voltar a falar mais tarde.
E o engano é palavra de ordem que
não deixa ninguém indiferente. À sombra da sua incapacidade de falar outra
qualquer língua para além do Chinês e da natural dificuldade de comunicação que
daí advém, qualquer ocidental que entre num táxi, que tente comprar o que quer
que seja e que não esteja habituado aos usos e costumes daquela gente, será
enganado com toda a certeza.
Apesar de tudo isso, da falta que
fazem as memórias antigas de um País antiquíssimo e que tanta importância teve
na nossa forma de estar e de ser, o impacto de uma visita à China traduz-se
numa experiência de vida, provavelmente mais impactante do que qualquer outra
viagem que alguém possa tentar fazer.
Vale a pena? Vale certamente!
Pequim vs Beijing
Existem elementos incontornáveis
numa visita a Pequim. Para além da sua imponência e antiguidade, são marcos
fulgurantes na imaginação de qualquer um e definem com rigor aquilo que um
turista Ocidental pensa antes de chegar a um destino tão impactante. A Cidade
Proibida, a Praça de Tian’anmen, a Grande Muralha ou o Templo do Céus, são
parte da paisagem e da aura de mistério que acompanha esta enorme metrópole
asiática.
Tendo anteriormente designações
diferentes, como Zhongdu, Dadu ou Cambuluc, Pequim (ou Beijing na ortografia
local) é a actual capital da China. Com uma imensa população de quase 24
milhões de habitantes, é a segunda cidade chinesa depois de Shanghai e aquela
que conjuga maior simbolismo no contexto da ditadura comunista que actualmente
se está ali a viver.
Fundada originalmente no Século
XIII, quando Genghis Khan unificou um conjunto de pequenos povoados ali
existentes, Pequim (ou Capital do Norte) foi crescendo ao sabor das muitas
vicissitudes que deram forma à sua História. Ali residiram as principais
figuras da História da China e ali se centralizam as estruturas de poder ao
longo dos últimos séculos.
A Praça da Paz Celestial ou Praça de Tian’amnen
A Praça da Paz Celestial, como
optou por chamar-lhe o regime comunista que controla o País, também conhecida
por Praça de Tian’amnen, é a maior do Mundo e foi inaugurada em 1651 às portas
da Cidade Proibida. Por ali se representaram as encenações das grandes paradas
e dos espectáculos com maior impacto políticos da Ásia e nela se desencadearam
acontecimentos políticos que mudaram para sempre a percepção do Mundo em
relação a este país tão marcante. Foi ali, em 1989, que centenas de estudantes
foram massacrados pelo regime depois de tentaram mostrar a sua insatisfação
pelo que estava a acontecer.
Hoje, rodeada de enormes medidas
de segurança muito visíveis (e também de outras que ninguém vê mas que se
sentem), alberga o monumento de memória ao antigo líder comunista Mao Tsé-Tung (1893-1976)
e a tumba onde se encontra exposto o seu corpo embalsamado e está
permanentemente cheia com centenas de milhares de visitantes maioritariamente
chineses que, com um permanente sorriso nos lábios, por ali deambulam horas e
horas a fio para poderem ver de perto o corpo daquele a quem, por medo ou
respeito, continuam a chamar o “Grande Timoneiro”. E quase faz impressão olhar
para aquele mar de gente, ali às portas da antiquíssima Cidade Proibida,
gesticulando de satisfação em filas intermináveis que rodeiam o monumento
várias vezes e onde passam horas após horas só para comprar o bilhete.
Mao Tsé-Tung e a Revolução Cultural Chinesa
E se a cidade tem uma história
ancestral, marcante principalmente no Século XV quando a Cidade Proibida foi
construída, o certo é que a sua importância foi reforçada no dia 1 de Outubro
de 1949 quando Mao Tsé-Tung (1893-1976) ali proclama o nascimento da actual
República Popular da China. Tendo sido conquistada pelo poder Nipónico em 1937,
que manteve o controle sobre a cidade até à sua derrota na II Guerra Mundial em
1945, Pequim foi libertada pelo exército liderado por Mao e posteriormente reconquistada
pelo poder comunista após a Guerra Civil que impôs o actual regime político.
E foi precisamente o auto-designado
Grande Líder que, com a ajuda de uma das suas mulheres, empreende entre 1966 e
1969 aquilo a que optou designar por Revolução Cultural que literalmente deu
forma à China actual e que tanta influência tem ainda hoje na formulação
plástica e social o povo Chinês.
Tendo reformulado praticamente
todos os aspectos da via quotidiana no seu País, o regime comunista optou por
uma solução final que pusesse cobro a toda e qualquer possibilidade de protesto
ou de sublevação. Para além de destruir grande parte do património histórico e
cultural do País, que associava à possibilidade de descentrar as atenções do
povo das inovações e do progresso que o regime comunista pretendia impor, a
revolução cultural foi palco de grandes perseguições a oposicionistas, artistas
e a todos os que ousassem pensar de maneira diferente. A autêntica lavagem cerebral
levada a cabo por Mao Tsé-Tung, apagando os vestígios da milenar história
chinesa e reforçando os laços com o movimento comunista, estendeu-se a escolas,
empresas e às suas, que se encheram de simbologia do regime e apagaram por
completo tudo aquilo que dissesse respeito a outros tempos.
Ainda hoje, na fachada principal
da entrada da Cidade Proibida, se ostenta a fotografia do líder revolucionário,
literalmente vigiando o seu povo e reverenciado como se de uma divindade se
tratasse…
A Cidade Proibida
E o maior choque para quem visita
a China pela primeira vez será possivelmente a Cidade Proibida. Conjunto
monumental de templos e palácios utilizados pelos vários imperadores chineses
desde 1420, quando foi construído, a Cidade Proibida é possivelmente o monumento
chinês que transversalmente acompanha o imaginário de todos aqueles que já pensaram
estar neste lugar tão diferente.
Palco de filmes e de dramas
imperiais, vedada ao acesso do cidadão comum, a Cidade Proibida é um autêntico
e maravilhoso palco onde se recriavam os espectáculos que sustentavam a
magnificência do poder político Chinês.
Actualmente, depois da revolução
cultural de Mao Tsé-Tung, franquearam-se os portões antigamente sempre fechados
e o povo literalmente tomou conta do espaço. Perdendo grande parte da sua
mística e o antigo silêncio que dava corpo à apreciação do lugar e que é
contado e recontado por todos os viajantes antigos que tiveram a sorte de lá
entrar, a Cidade Proibidade está sempre literalmente a abarrotar de milhares e
milhares de visitantes, maioritariamente chineses, que entram aos gritos,
preenchem cada recanto e vão (literalmente) arrancando bocados dos adornos
existentes no local.
Sem qualquer outra espécie de
orientação para além de umas ténues informações muitos genéricas acerca dos
nomes ancestrais daquelas vastas praças e terraços, os visitantes seguem ao
ritmo da curiosidade, espreitando aqui e além as muitas salas que enchem o
lugar e ouvindo aqui e ali algumas palavras ditas por algum guia mais
descuidado. Não existe informação escrita, placas indicativas ou sequer livros
à venda com notas sobre o lugar (o único sítio onde encontrámos um livro em
inglês sobre a história da Cidade Proibida foi na área de embarque do
Aeroporto), tudo acontecendo ao sabor do nada que tudo enche! Perde-se a
simbologia, o significado profundo e a magnificência milenar de uma história
que importava recordar.
Shanghai ou Xangai e Pudong
Situada junto à foz do Rio
Yangtze, importante empório comercial durante muitos séculos, a Cidade de
Shanghai é actualmente a maior cidade da China e possivelmente uma das maiores
metrópoles do Mundo.
Considerada como “Cidade Mercado”
em 1074, foi sempre ponto central na distribuição das riquezas produzidas no
vastíssimo território Chinês e um porto da maior importância. De tal forma
assim foi que, em 1842, quando a revolução industrial simplesmente começava na
Europa, Shanghai se tornou no ponto-angular do comércio asiático, facto que
ficou consubstanciado no Tratado de Nangum.
Profundamente ocidentalizada, com
a sua estrutura urbana marcada por alguns dos maiores arranha-céus do mundo,
Shanghai consubstancia o seu impacto na linha costeira do Rio Huangpo e no
magnífico cenário do Pudong e a Torre Pérola Oriental, visto a partir do Bund.
A torre, construída entre 1991 e
1995, foi desenhada por Jia Huan Cheng e, com os seus 468 metros de altura, é actualmente
uma das mais altas torres de televisão do Mundo, tendo-se assumido como
ex-libris da cidade. O seu traço, baseado num poemos da Dinastia Tang, procura
recriar a linha de paisagem com os traços de um alaúde…
Do outro lado, causando
estranheza por ter sobrevivido ao surto implacavelmente destruir da revolução
comunista, sobrevive um antigo palacete colonial actualmente utilizado como
Embaixada da Rússia na China.
Guangzhou e o Cantão
De todas as cidades Chinesas,
Guangzhou é possivelmente aquela que melhor traduz o estado em que se encontra
China actual. Empório comercial antiquíssimo, fundada no Século II a.C. e com
mais de dois milénios de História, Guangzhou ou Cantão, como é conhecida no
Ocidente, é a capital da província de Guangdong, um dos mais prósperos
territórios do País.
E se o Cantão é bem conhecido dos
Portugueses, existindo centenas de relatos e descrições de viagens feitas à
cidade ao longo de muitos séculos, até porque um tratado de 1511 atribui a
Portugal o monopólio do comércio em Guangzhou, já pouco resta da magnificência
de outrora.
Os antigos bairros, as casas
típicas, os templos e as ruelas estreitas, foram progressivamente substituídos
por enormes arranha-céus com dezenas e nalguns casos centenas de andares de
altura, muitas vezes pintados de dourado e verdadeiramente resplandescentes, num
processo de descaracterização total que cumpre os objectivos ditados pela dita
revolução cultural comunista. Sendo actualmente a terceira metrópole da China
continental, com mais de 13 milhões de habitantes, Guangzhou é uma espécie de
enorme centro comercial, cruzando vários centros comerciais entre si e que se
estende por cima e por baixo da terra.
Da sua história mais
rocambolesca, subsiste o velho abrigo anti-bombardeamentos, resquício da
pressão japonesa durante a II Grande Guerra, mas que se encontra literalmente
perdido debaixo de uns quantos arranha-céus e de uma amálgama de centenas e
centenas de lojas aglomeradas em vários centros comerciais subterrâneos.
O que sobrevive da antiquíssima
cultura Chinesa? Pouco mais de nada. Os maus hábitos arreigados por práticas de
sucessivas gerações, a sujidade que permanentemente vai enchendo as ruas das
suas cidades, alguns hábitos alimentares também eles associados a práticas de
pouca higiene e… nada mais.