quinta-feira

Aylan Kurdi e a Europa




por João Aníbal Henriques

No dia em que se cumprem 74 anos desde o início dos gaseamentos aos judeus perpetrado pelo III Reich nazi durante a II Guerra Mundial, chegam-nos as imagens (nem o adjectivo chocante é suficiente para as descrever) de homens e crianças mortos que deram à costa na Praia de Bodrum, na Turquia.

No desespero extremo de quem tem como único objectivo na vida o de sobreviver, os refugiados entregam-se ao destino na tentativa vã de chegar à Europa. E fazem-no porque a ideia de uma Europa Unida se gera a partir dos valores (teóricos) da fraternidade, da liberdade, do humanismo, da democracia e do respeito. E são esses valores e esses princípios ilusórios, que muitos ainda tentam utilizar para descrever a Europa que temos, que ditam a tragédia real que sobre eles se vai abatendo.

Porque a Europa que temos não é unida. Porque a Europa em que vivemos não é fraterna. Porque esta Europa não sabe o que é o humanismo. Porque a Europa que subsiste não reconhece o direito universal à democracia nem se respeita…

E não se julgue que é um problema da Europa de hoje e das tentativas populistas de transformar o velho continente das Nações numa amálgama federal de dependências. Não. Este problema afectou profundamente a Europa no início do Século XX, conduzindo ao eclodir da guerra em 1914; reiterou-se a partir do início da década de 30 levando ao início da Segunda Grande Guerra em 1939; e depois, mais ou menos controlados pelo peso dos media e pelas campanhas propagandísticas que contornam a realidade e toldam o entendimento dos povos, deu forma ao desastroso drama dos Balcãs, ao desmantelamento das antigas repúblicas soviéticas e a muitos outros focos de ódio entranhados no País Basco, na Catalunha, na Ucrânia, na Bélgica, na Irlanda do Norte, na Escócia, etc.

A Europa federal de índole franco-alemã que nos querem impor é anti-natural e por natureza anti-valores. É uma Europa virada para o seu umbigo Berlinense, centrada na defesa da riqueza e da materialidade e sulcada pelo rigor dos calendários eleitorais dos seus membros. Tudo o resto são ninharias que não importam aos governantes.

Um nojo. Esta Europa que ainda temos.