A religiosidade ancestral de
Cascais, visível através dos monumentos que contribuem para a face urbana da
vila, é marcada por um conjunto de lendas e tradições que englobam resquícios
de muitas épocas e vivências diferentes.
O Cristianismo, realidade
nascente em Cascais logo nos dealbar da sua existência, é somente uma das faces
de um edifício muito mais vasto do qual fazem parte os fundamentos do islamismo
que tanta expressão teve neste território, e também de muitos outros credos e
facções que corporizaram um impressionante espólio cultural que os Cascalenses,
muitas vezes sem disso se aperceberem, acabam por integrar no seu dia-a-dia.
O culto a Nossa Senhora, por exemplo,
espraia-se nas suas várias devoções, de que em Cascais temos expressão na
Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal, na Senhora dos Navegantes, na
Senhora da Vitória, na Senhora da Assunção, na Senhora do Rosário, na Senhora
de Fátima, etc. Mas na sua essência mais profunda, as raízes perdem-se nos
tempos longínquos, anteriores ao nascimento da própria mãe de Jesus Cristo,
tendo-se adaptado aos tempos e às vontades e perseverado no inconsciente das
populações.
Na sua vertente urbana, é nas
igrejas que encontramos os vestígios mais impositivos desta prática, sendo
Cascais uma vila rica em património religioso.
A Igreja dos Navegantes é, de
acordo com as mais abalizadas opiniões, o mais antigo templo existente
actualmente em Cascais. Também denominada de Nossa Senhora dos Prazeres ou de
São Pedro Gonçalves, é vulgarmente denominada como “Igreja dos Homens do Mar”,
seus fundadores, pertencentes à irmandade dos marítimos de Cascais. A
monumentalidade da obra, e as dificuldades inerentes à canonização de Frei
Pedro Gonçalves, estiveram na origem de diversos factores que levaram ao imenso
atraso da sua construção. As suas características arquitectónicas, mais até do
que a documentação conhecida sobre o templo, indicam que foi reconstruída em
1729, embora as suas torres só tenham sido concluídas em 1942.
A Igreja da Misericórdia, situada
em pleno coração da actual Vila de Cascais, é um edifício construído em 1777
sobre as ruínas de um templo anterior e que ruiu com o terramoto de 1755. As
reutilizações de materiais anteriores, ainda hoje bem visíveis na estrutura do
edifício, levam a que se pense que a origem ancestral da igreja anterior remonte
aos idos de 1551, data da instituição de Misericórdia em Cascais. O facto de na
Sacristia se encontrarem vestígios de uma antiga Capela de Santo André, parece
indicar uma fundação mais antiga, ou talvez a uma remodelação ou ampliação que
terá acontecido algures em meados do Século XVI.
A Ermida de Nossa Senhora da
Conceição dos Inocentes, situada em local próximo da antiga Igreja da Ressurreição,
foi erigida em 1634, conforme indica o cruzeiro colocado junto à sua entrada. O
terramoto de 1755 marca profundamente o seu culto, uma vez que, segundo reza a
lenda, a intercessão da padroeira terá estado na base de um grande milagre.
Nesta ermida se refugiaram os habitantes de Cascais quando do terramoto, não
tendo o edifício sofrido qualquer dano como consequência daquele catastrófico
acontecimento, mesmo estando tão próximo do mar.
O Convento de Nossa Senhora da Piedade,
eram sem sombra para dúvidas um dos mais importantes e emblemáticos edifícios
da vila. Para além da sua monumentalidade, ainda hoje visível em vários
pormenores que acabaram por ser integrados no processo de adaptação a casa de
veraneio e posteriormente a centro cultural, era ali que existia o primeiro
colégio de filosofia de Portugal, nele convergindo grande parte dos principais
vultos da espiritualidade de então.
A capela que integra o edifício,
e que é hoje utilizada como auditório, será datável do Século XVI, sendo
contemporânea da construção do próprio convento. No entanto, e tal como este, a
capela actual nada tem a ver com a antiga, quer em termos arquitectónicos, quer
em termos da disposição do seu espaço. Do que lhe aconteceu naquela manhã
fatídica do dia 1 de Novembro de 1755 sabemos, por intermédio de um dos seus
frades que continuou a viver no meios das suas ruínas, “do que se proveita ficar o de Nª Srª. da Piedade com suas paremestras
em alto, se todas estão inclinadas e fora dos prumos e as abóbadas da igreja e
seu frontispício até à barra rendido, suas celas e oficinas abauladas e o
claustro sem palmo de parede que não esteja caído?”.
A Ermida de Nossa Senhora da
Guia, comummente datada do Século XVI, é atribuída à Ordem de São Francisco,
não só porque pertencia a uma ordem de freiras, como também pela indicação
fornecida pelo pároco da Freguesia da Ressurreição. Uma das suas lápides
sepulcrais possui a data de 1577. Embora também tivesse sofrido bastante com o
terramoto de 1755, perdendo grande parte da sua fachada e a grande escada
mencionada pelo Padre Marçal da Sjlveira, é ainda possível encontrar por lá
alguns vestígios da construção original.
O grande número de edifícios
religiosos que existem no casco mais antigo de Cascais, aponta assim para o
forte e arreigado sentimento religioso da população, provando também que
existiam meios financeiros suficientes para a sua construção. A indústria das
pescas, de acordo com as invocações que perduram nos seus interiores, terá sido
a fonte desses meios, ainda que muitos deles se saiba que provieram de ordens
religiosas, do Patriarcado de Lisboa e mesmo de alguns particulares.
A boa relação e interajuda existe
entre os pescadores da vila e os frades das ordens religiosas aqui instaladas,
está bem patente nas palavras do já mencionado Padre Marçal da Sjlveira, que
nos diz que foram os frades quem ensinou aos pescadores da vila a secar e a
conservar os seus peixes.
Sendo intemporal a importância
deste património para o sustento da tão vilipendiada vocação turística
municipal, o certo é que as igrejas, ermidas e capelas de Cascais são ainda
hoje pedras basilares na formatação cultural e social desta terra. Eixos
assumidos de uma religiosidade transversal a todas as épocas da História de
Cascais, calcorrear estes edifícios representa um passo essencial na definição
e na compreensão do que é ser Cascalense.