por João Aníbal Henriques
Pontualmente, geralmente quando
menos se espera, surgem Cascalenses que transcendem a natural passagem do tempo.
Por determinação férrea e uma exemplar entrega à comunidade, concretizam os
impossíveis, mudando vidas e oferecendo ao Mundo e a esta Nossa Terra caminhos
novos e alternativos que perduram ao longo de muitas gerações. Foi o que fez o
Dr. Artur de Azevedo Rua, médico saudoso que revolucionou a cirurgia ortopédica,
e que foi um dos principais responsáveis pela saúde na Nossa Terra.
Nascido em Lisboa em 1901, Artur
de Azevedo Rua chegou a Cascais em 1927 para prestar serviço no então designado
Sanatório António José de Almeida. Médico de formação e cirurgião por devoção,
especializou-se nessa área na equipa do Dr. Francisco Gentil, tendo feito parte
da equipa pioneira que dá forma aos Hospitais Civis de Lisboa.
Atento às necessidades mais
prementes da comunidade onde veio viver, Azevedo Rua encontra na Parede o microclima
especial que faz daquele recanto um dos mais conceituados espaços para o
tratamento de problemas ósseos e de pele. A partir do sanatório onde desenvolve
a sua prática médica, aprofunda de forma extraordinária o conhecimento
científico acerca da tuberculose óssea, importante enfermidade que nessa época
flagelava a população Portuguesa, tendo mais tarde construído uma clínica na
Parede para onde confluíam grande parte daqueles que não encontravam noutro
lado uma resposta cabal para os seus padecimentos.
E, como quase sempre acontece com
todos os grandes Cascalenses, assume como causa sua este combate, não temendo
lutar contra o que quer que seja para que se torne possível recriar em Cascais
o espaço ideal para o tratamento desta doença. Literalmente contra tudo e
contra todos, pois nessa altura para além dos constrangimentos próprios de um
Portugal atrasado em termos científicos, o Concelho de Cascais vivia num
letárgico imobilismo que convinha à maioria desses tempos, o Dr. Azevedo Rua
empreende uma autêntica revolução na saúde local.
Com um grupo de amigos movidos
pela entrega às causas sociais, ajuda a criar a Associação de Beneficência e Socorros
Amadeu Duarte e, no âmbito dessa actividade, inaugura na Parede o pequeno
Hospital Amadeu Duarte onde era possível encontrar o conhecimento de ponta na
área da tuberculose óssea que Artur de Azevedo Rua havia adquirido em formações
variadas concretizadas com os melhores especialistas existentes no estrangeiro.
Reconhecido o seu esforço e sendo
visíveis os resultados da sua excelência médica, será a partir de 1947 convidado
para Director do Hospital Dr. José de Almeida onde reformula as práticas
cirúrgicas, introduz um moderno serviço de Raio X e o transforma numa das mais
conceituadas e modernas unidades cirúrgicas para o tratamento da tuberculose
óssea existentes na Europa.
Com base no prestígio alcançado,
funda A SPOT – Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia, cuja primeira
reunião decorre no Hotel Atlântico no Monte Estoril, em 1947.
A entrega abnegada de Artur de
Azevedo Rua à medicina, numa permanente e tenaz luta contra o desinteresse
generalizado dos seus pares e a gritante falta de meios técnicos e humanos que
afectavam o Cascais de então, fizeram toda a diferença na vida de muitos
milhares de doentes que nele procuraram o alívio para as suas dores. Ele mudou
literalmente as vidas dos seus pacientes, deixando atrás de si um legado de
saber e de conhecimento que fez perdurar os frutos da sua excelência.
Com a sua morte, em 1986, chegou
ao fim um dos mais importantes capítulos da história da medicina em Portugal,
mas a sua herança, bem visível ainda hoje nos hospitais de Cascais e na Vila da
Parede, perdura no tempo.
Esquecido pelas entidades ditas
competentes e avesso a homenagens que considerava pouco pertinentes, Azevedo
Rua recebeu da Presidência da República Portuguesa a Grã-Cruz da Ordem da
Benemerência e de Oficial da Ordem Militar de Cristo.
A sua memória confunde-se com a
Memória Colectiva de Cascais e da Parede, sendo certo que o seu exemplo é pilar
estrutural inabalável da Identidade Cascalense. É essencial recuperar a sua
história extraordinária porque dela depende a defesa da excelência desta Nossa
Terra.
A bem de Cascais!