por João Aníbal Henriques
Existem poucos monumentos em
Portugal como o Castelo de Noudar, situado no Concelho de Barrancos, no Alentejo
profundo. A sua situação geográfica, situada estrategicamente junto à raia
Espanhola, associada a um cenário paisagístico profundamente impressivo e impactante,
fazem deste recanto um dos mais encantados monumentos de Portugal.
Com uma história muito longa, que
os vestígios arqueológicos comprovam ter-se iniciado ainda durante a Pré-História
e durante o período da primeira ocupação humana no actual território português,
o Castelo de Noudar que hoje vemos é o resultado de sucessivas campanhas de construção
e reconstrução que remontam à ocupação romana e que os Visigodos e mais tarde
os Muçulmanos, vieram a adaptar às suas necessidades.
Situado na confluência da ribeira
de Múrtega e do Rio Ardila, numa elevação do terreno que lhe confere enorme
visibilidade sobre o território envolventes, o castelo é uma espécie de
sentinela avançada de Portugal, representando um papel essencial na definição
do controle territorial nacional perante as constantes investidas do país
vizinho.
Constantemente alvo de ataques e
de contra-ataques, numa luta permanente pela independência, nunca foi fácil a
via em Noudar. A vila nascida dentro das suas muralhas, detentora de um poder
civil amplamente reconhecido pela Coroa Nacional, foi sempre reforçando a sua
importância política, facto que explica a elevada taxa populacional que foi sempre
apresentando ao longo dos seus muitos séculos de história.
Em termos urbanísticos, com a sua
estrutura simples, Noudar configura-se em torno da sua torre de menagem e dos
edifícios de cariz oficial que governavam o seu território. A cadeia, ainda
hoje um ex-libris da velha povoação, assume especial importância sobre tudo num
espaço no qual a força da Lei era imperativo maior na manutenção da qualidade
de vida dos cidadãos, apesar da distância quase absurda que medeia entre aquele
lugar e os principais pontos do poder administrativo Nacional.
A antiga alcáçova, aberta na zona
mais central da antiga localidade, compõe um quadro romântico que se acentua
pelo cenário de ruínas que actualmente caracteriza o povoado.
Quando Gonçalo Mendes da Maia,
conhecido historicamente como o “lidador”, a conquistou em 1167, Noudar era uma
povoação essencial para o reforço da autonomia nacional. O controle da estrada
que ligava a sede episcopal em Beja com a centralidade política espanhola, fazia
da povoação um dos pontos-chave na estratégia de definição territorial Cristã,
recriando em seu torno um complexo sistema de rentabilização económica do
espaço que não deixa indiferentes os principais poderes políticos daquela
época. É, por isso, apetecível a ocupação de Noudar, assim se mantendo durante
muitos séculos.
Em 1644, por ocasião da Guerra da
Independência, o usurpador Espanhol manteve Noudar sobre a sua tutela. E a
libertação da localidade, acontecida somente em 1715 no âmbito do Tratado de
Utrecht, concretiza-se depois de uma acção de destruição massiva das principais
estruturas da povoação. Este facto, aliado a uma pretensa epidemia de natureza
desconhecida que afectou simultaneamente a população, terá determinado a
extinção oficial da vetusta vila, facto que dará origem a um processo paulatino
de despovoamento que se prolongará durante algumas décadas e do qual, por
exclusão de partes, resulta o florescimento da vizinha Vila de Barrancos da
qual este território faz actualmente parte.
Noudar é actualmente uma espécie
de Castelo Encantado perdido nos alvores da modernidade Portuguesa. Desde o
Século XVIII, quando a sua extinção administrativa aconteceu, não mais foi alvo
de intervenções que ali tenham construído novas edificações. Mantém, por isso,
os traços antigos de um espaço perdido no tempo, assumindo-se como ruína
romântica de uma era longínqua cuja memória se foi perdendo ao longo dos tempos…
Da sua memória mais ancestral,
provavelmente reforçada com a aura misteriosa que o seu abandono configurou,
faz parte uma lenda maior do Alentejo marcante e profunda onde a mesma sua
desenvolve. Ainda hoje, tantos séculos depois de se ter transformado numa
imensa ruína perdida no tempo, há quem afirme convictamente que em certas
noites do ano, quando o calor do estio se prolonga noite adentro, é possível
ver, no topo da sua torre de menagem, a figura esbelta de uma cobra altiva que,
com um toutiço na cabeça, vai dançando fantasmagoricamente à luz do luar!
E essa cobra, que a sabedoria
popular diz que é uma princesa moura encantada, encaixa de forma perfeita na estória
da lendária moura Salouquia cuja vida terminou de forma abrupta quando, no
calor imenso das guerras da reconquista, se terá suicidado atirando-se para a
morte do alto da torre do Castelo de Moura. A princesa encantada, maravilhosa
na formulação que dela faz o imaginário popular, não morreu como era a sua vontade
a fugir dos atacantes Cristãos que se preparavam para tomar a sua cidade. Por
artes mágicas, ter-se-á transformado numa cobra ao tocar no chão e, dessa
maneira, contornando a perniciosa forma da morte, fugiu rastejando através dos
plainos férteis do Alentejo até Noudar, onde ainda hoje se prepara todas as
noites para receber o seu noivo oriundo do território do Islão!
Qualquer que seja a verdade
associada a esta história lendária, o certo é que o Castelo de Noudar,
classificado como Monumento Nacional desde 1910, carrega consigo o encantamento
que o deslumbre da sua monumentalidade deixa transparecer. As suas muralhas
velhas, gemendo ano após ano as agruras terríveis do frio do Inverno e o calor
insuportável do Verão alentejano, ainda ecoam de forma sublime as vozes
avoengas dos que nos precederam, toldando com a sua aura de mistério alguma
razão de que pudéssemos fazer uso quando as visitamos. A impressão causada pela
antiga vila abandonada de Noudar é de tal forma grande, com o peso ancestral da
sua História e das suas estórias, que se torna difícil (senão impossível)
manter o discernimento do que é real naquela amálgama de emoções que o espaço
transparece.
Visitar Noudar, agora que as intempéries
determinaram um triste fim para as ruínas que subsistiram ao longo de tantos
séculos, é recuar muitas centenas de anos no tempo, pisando de forma sensível
as mesmas pedras tal como outrora outros fizeram e recuperando memórias de outras
eras.
É, enfim, uma autêntica máquina
do tempo que, com a magia própria que emana das coisas verdadeiras, representa
uma experiência sensorial irrepetível, prenhe daquilo que enche a Alma de
qualquer Português.