por João Aníbal Henriques
Situada no coração da cidade e envolvida
de perto pelas principais atracções turísticas de Évora, a Igreja de Santiago
passa normalmente despercebida a quem por ali deambula. Mas não deveria ser
assim… o templo, de origens ancestrais, é um dos mais interessantes repositórios
das memórias e das histórias desta urbe alentejana, sendo bem demonstrativo da
forma como as eras, as culturas e as gentes aqui confluíram numa amálgama de
vida que não pode deixar ninguém indiferente.
A documentação histórica aponta o ano
de 1302 como o da fundação do primeiro templo Cristão no local onde hoje se ergue
a Igreja de Santiago. Cercada pelas antigas muralhas da cidade, bem perto do
antigo fórum romano e da principal via estruturante da economia da região é
provável, no entanto, que naquele espaço tenham existido outras construções que
a precederam e que são responsáveis pelos muitos vestígios que se podem ver no
local.
Desde a colunata de origem romana até
à própria formulação espacial ao templo, que denota claramente uma influência
de origem islâmica, são muitas as pistas que nos permitem suspeitar da ancestralidade
maior da origem sacra deste espaço tão especial, marcado de forma impactante
pela profusão de estilos decorativos e de cores que se cruzam e se sobrepõem em
camadas bem ilustrativas daquilo que foram os seus mais de 800 anos de História
que se sobrepõem em camadas sucessivas de memórias.
Na sua componente Cristã, Católica,
Apostólica e Romana, a Igreja de Santiago de Évora nasce por isso no Século
XIV, permanecendo sem grande história durante cerca de 200 anos. Durante esse
período foi, muito provavelmente, somente um dos muitos templos que servia a
prática religiosa dos eborenses, num plano de discrição que resulta naturalmente
do recato que a sua localização impõe. Apesar disso, enquanto espaço de morte,
foi permanentemente destino privilegiado de vários habitantes ilustres da
cidade, nomeadamente ligados ao Clero, tal como o atestam as muitas lápides sepulcrais
que subsistem no seu interior, em linha com a ligação sempre perene à cúpula
organizativa da própria Ordem de Santiago da Espada.
Mas o principal foco de interesse para
quem visita esta igreja, marcante do ponto de vista estético e fulcral na
definição daquilo que foram as principais intervenções efectuadas no seu
interior, são as paredes repletas de pinturas murais polícromas, que fecham uma
intervenção maior que reformatou o espaço interior e dotou o templo de uma
cabeceira estrutural de grandes dimensões e que define hoje o monumento.
São desta época também os painéis de
azulejos que cobrem as laterais do Altar-Mor e da nave principal da igreja, da
autoria de Gabriel del Barco e de Oliveira Bernardes, que ajudam a enquadrar o
mote barroco que passou a caracterizar a essência decorativa do espaço. Importa
destacar, pela implicação de enquadramento cénico que tem, sublinhado pelo
carácter de província da igreja, a talha dourada dos altares, que se mistura com
o esplendor das evocações artísticas de âmbito semi-profano que dão corpo à
estrutura decorativa da mesma, num apelo quase herético a realidades que
aparentemente se supõem longínquas do Alentejo da época em questão.
O apelo à Força, simbolicamente
associada à exaltação do Altíssimo, surge misturado numa verdadeira amálgama
figurativa onde as figuras Atlantes assumem papel de destaque enquadratório.
Talvez seja por isso, na senda da já referida tradição maior que transparece da
evolução das épocas e das gentes que fruíram daquele espaço, que o epitome
maior que desde sempre surge como uma espécie de sina desta igreja, seja o da
ritualidade da morte, ainda hoje marcante para quem habita em Évora, e que ali
se consubstancia num conjunto bastante vasto de referências culturais,
religiosas e simbólicas numa simbiose que se próxima de sobremaneira da
estrutura de pensamento do Alentejo de todos os tempos.
O balcão fronteiro ao templo, num varandim
de pequenas dimensões que compacta a sacralidade do lugar ao pouco espaço
existente naquele recanto da cidade, contribui também ele para reforçar esse
ideia inicial, sendo maioritariamente um apelo à visita ao espaço interior, ao
mesmo tempo que faz prevalecer o absurdo deleite pelo contraste e pelo oposto.
Esta dualidade, também ela visível na estrutura pétrea do templo, associa a
ideia do equilíbrio como parte essencial da preservação do carácter sagrado da
vida, aqui se espelhando na forma como o crescimento comunitário de quem por
ali cumpriu os seus ritos de Fé, se foi construindo a partir de uma
continuidade que obrigava a cedências de princípio na dogmática que dá forma a
cada uma das épocas em que o templo existiu.
A Igreja de Santiago, mais do que mais
um mero templo desta mítica Cidade Alentejana, é acima de tudo um monumento que
estabelece pontes entre as várias eras e os tempos que a sua História
atravessou. Acolhe no seu seio a singularidade de um espaço de características intrinsecamente
chãs mas, por outro lado (e até em antagonia) de um local onde a complexidade
da vida se espraia em cada elemento.
O seu estado de conservação muito precário
também ele contradiz a importância e o
interesse desta igreja. Urge uma intervenção prévia de consildação e
interpretação do espaço, antes da definição de uma intervenção de fundo que
garanta a recuperação dos seus elementos estruturantes mais importes.
Até lá, tal como vem acontecendo ao
longo de (pelo menos) o último milénio, acolhe diariamente as naves que
transportam os eborenses à sua última morada e que ali recolhem os últimos raios
de uma luz que certamente foi ensejo daqueles que a foram construindo ao longo
do tempo!...