por João Aníbal Henriques
Marcante na paisagem cénica de
Cascais, com os seus altivos torreões a imporem-se na paisagem sobre o caso
antigo da vila, a Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes (também designada como
de São Pedro Gonçalves Telmo ou de Nossa Senhora dos Prazeres) é um dos mais enigmáticos
segredos de Cascais.
Nada se sabendo de certo sobre a
sua origem, presume-se que a Igreja dos Navegantes tenha sido construída
algures no Século XVI por iniciativa dos homens do mar de Cascais. Isto mesmo é
alegado por eles quando, nessa mesma altura, através dos seus representantes legais,
apelam directamente a Roma e ao Papa queixando-se dos abusos que sofriam por parte
da Igreja local.
Diziam eles que as multas de que
eram alvo, e que derivavam das faltas às presenças obrigatórias nas Missas e ao
trabalho que faziam ao Domingo, se deviam à necessidade efectiva de angariarem
o seu sustento. E que, em contrapartida, haviam construído a suas custas dois
conventos, um no Estoril e outro em Cascais, um hospício e duas igrejas (a de
Nossa Senhora dos Prazeres e a da Ressurreição de Cristo que caiu com o Terramoto
de 1755).
Terá sido este contacto, aliás, o
que motivou o Papa Paulo V a conceder a autorização para se pescar aos Domingos
e nos dias santos, na perspectiva de que os lucros auferidos nessas ocasiões se
destinavam exclusivamente à construção das igrejas e a consolidar o processo de
canonização de Frei Pedro Gonçalves Telmo, futuro padroeiro dos pescadores de
Cascais.
A única certeza que existe é que
a igreja sofreu uma intervenção que visou a sua reconstrução em 1729, conforme
o atesta a data dos seus painéis de azulejos, estando ainda in completa em 1755
quando o terramoto novamente lhe abalou os alicerces.
Em termos estéticos, a Igreja dos
Navegantes que agora temos, que resultou do segundo processo reconstrutivo
iniciado em finais do Século XVIII, e que só foi concluído em 1942 quando foram
colocados os dois torreões, situa-se na transição entre o período maneirista e
proto-barroco, apresentando como ponto de sublinhado interesse a sua rara planta
oitravada que Raquel Henriques da Silva, a grande especialista nesta matéria,
considera que “exemplifica o gosto de inovação formal característico daquele
período”.
O facto de ter ficado inacabada,
sem os detalhes decorativos e estéticos característicos do barroco cascalense,
sublinham o seu interesse que, de acordo com a historiadora já referida,
depende muito mais do jogo de luz que a sua formulação arquitectónica propicia,
do que propriamente do formalismo regular que caracteriza outros monumentos
idênticos desta mesma época.
O seu carácter diferenciador,
provavelmente resultante da influência dos frades de Nossa Senhora da Piedade,
que orientaram os homens do mar no seu projecto de erguer a igreja, transforma
a Igreja dos navegantes num dos mais preciosos monumentos do Património religioso
Cascalense.