por João Aníbal Henriques
Em Agosto de 1950, quando o então
Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, benzeu a primeira
pedra da futura Igreja da Parede, já a localidade tinha uma longa e profícua
História, afirmando-se como pilar de modernidade no Concelho de Cascais.
De facto, desde praticamente a
chegada da Corte a Cascais, no final do Verão de 1870, que a Parede, antiga São
José do Estoril, havia ganho fama de local especial. As suas arribas, com
propriedades terapêuticas únicas, eram desde há muito local de cura para
diversos males, com especial preponderância para as maleitas dos ossos.
No Hospital de Santana, situado
nas falésias confinantes com a Estrada Marginal, o vetusto edifício recebi
todos os anos uma população flutuante que ia engrossando à medida em que
crescia a fama da localidade. E ao lado, na Clínica Hélio Marítima, mais
conhecida pelos locais como a “Casa do Patriarca”, por lá ter vivido no início
do Século XX o então Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José Sebastião Netto, os
tratamentos inovadores alcançavam resultados nunca antes vistos nos locais de
tratamento daquelas doenças existentes no Portugal dessa época.
Em ambos os edifícios (no
hospital e na Casa do Patriarca) existiam pequenas capelas abertas ao culto
popular e era aí que os paredenses se deslocavam para expressarem a sua
religiosidade dada a distância considerável que os separava da sua Igreja
Paroquial situada nos confins de São Domingos de Rana.
Era esse, por definição, o
problema mais relevante com que se debatia a povoação naquela época. Com
valores populacionais crescentes, mercê do crescimento urbano centrado nas suas
potencialidades terapêuticas mas, também, do esforço empreendedor de Nunes da
Mata, o visionário republicano que havia projectado a fama da Parede além
fronteiras, a Parede continuava a pertencer administrativamente à Freguesia de
São Domingos de Rana, não possuindo autonomia secular ou religiosa. Os Paredenses,
que desde há muito pediam que fosse criada uma freguesia encabeçada pela
localidade e uma paróquia que fosse deles, debatiam-se com um problema grave e irresolúvel.
As pequenas capelas anexas aos espaços hospitalares não tinham dignidade nem
tamanho para servirem de Igreja Paroquial e o templo de São Domingos de Rana,
com a sua História longa e uma monumentalidade que expressava bem os laivos rurais
da sua implantação, ofuscavam por completo os anseios daquelas progressivas
gentes.
Dessa forma, foi a própria
população quem tomou a iniciativa de construir na sua localidade uma igreja
projectada de raiz que despoletasse, por seu turno, a necessária movimentação
em direcção à autonomia paredense. A Comissão de Senhoras Pró-Construção da
Igreja da Parede não se poupou a esforços. E, entre saraus musicais, concertos
na rádio, festas populares e quermesses, demorou menos de meia década a
angariar o manancial necessário para avançar com a obra e para cumprir este seu
desiderato maior de dar à Parede um reconhecimento oficial que a povoação ainda
não lograra obter.
Contactado o Arquitecto Rebelo de
Andrade, que já nessa altura alcançara a fama através da sua participação na
preparação de diversos pavilhões oficiais representativos de Portugal nas
principais feiras internacionais do seu tempo, o mesmo imediatamente ofereceu
os seus serviços gratuitamente, preparando o projecto que surgiria em linha com
a modernidade que se associava ao culto ainda muito recente à Virgem de Fátima,
cujas aparições haviam despoletado um renovado fulgor para a Igreja Católica
depois dos anos conturbados que tinham caracterizado o início do período republicano.
Com a ajuda do escultor Jorge
Barradas, que ficou encarregue da decoração do novo templo, e se dedicou a
esculpir as imagens que o haviam de encher, Rebelo de Andrade projectou um edifício
de traça modernista com um impacto imenso na paisagem e uma capacidade cénica
que influir directamente nas expectativas dos paredenses quando por ele
passavam no seu quotidiano. As linhas verticais de cor branca, marcadas na frontaria
pelo portal de Jorge Barradas com figuras bíblicas e a imagem de Nossa Senhora
de Fátima rodeada por duas pombas brancas, assumiam o apelo à singeleza da Fé paredense,
recriando em torno daquele lugar uma mística onde se espraiavam os laivos
maiores do culto do Espírito Santo e, por extensão, uma abordagem igualmente
assumida e transconsubstanciada na pureza virginal da Mãe de Deus.
Conjugadas as vontades e os meios necessários à sua concretização, foi a igreja inaugurada no dia 1 de março de 1953, no meio de uma festa imensa que juntou naquele espaço todos os paredenses. O culto foi inaugurado no novo templo pelo próprio Cardeal-patriarca Dom Manuel Gonçalves cerejeira que surgiu acompanhado pelo Ministro e pelo Secretário-de-Estado das Obras Públicas, que se reuniram na Parede com as principais autoridades civis, militares e eclesiásticas de Cascais.