por João Aníbal Henriques
A porta de entrada do auditório
principal do Centro Cultural de Cascais abre caminho através de uma história
longa e profícua de mais de 426 anos de segredos imensos que urge revelar.
As abóbodas incompletas daquela
sala, oferecendo ao espaço uma aura mística que mesmo a utilização actual não
consegue toldar, são o que resta da Capela onde rezavam quotidianamente os frades
do Convento de Nossa Senhora da Piedade.
E nas paredes envelhecidas pelos
séculos, está ainda a Pietá envolvida pelo silhar de azulejos que confirma a
sua origem cultual, bem as placas evocativas dos beneméritos que ao longo dos
anos foram contribuindo com a sua esmola e trocando a materialidade dos seus
bens pelas Missas eternas que lhes garantiam a saúde da Alma…
Na denominada Capela do Fundador,
ali mesmo à entrada do novo restaurante, parecem ainda ouvir-se as vozes
tristes dos que acompanharam os seus entes queridos à sua última morada em
cerimónias de uma magnificência terrena que contrastava com a singeleza excruciante
de quem nem calçado usava. E nas sepulturas abertas no chão, está marcado o
brilho da espada, das esporas e os restos da farda de gala de um dos mais
importantes cavaleiros desse velho Cascais, mesmo ao lado dos confessionários
onde se partilhavam sob sigilo sagrado as tentações de uma vida onde o pecado
sempre teima em vingar.
Na passagem para o antigo
claustro, sob o olhar atento do Camões que nasceu dolorosamente das mãos de
Mestre Cutileiro, surge marcado a negro o percurso alquímico do deambulatório
onde muitas gerações de religiosos descalços cruzavam as suas ladainhas
elevando ao Altíssimo as preces mais pungentes das gentes de Cascais.
Nos vãos das janelas antigas, que
abrem agora para sítio nenhum, pressentem-se os raios de luz que emanavam das
representações majestosas de Nossa Senhora da Conceição e de Santa Teresa de
Ávila, ali mesmo onde o caldeirão alquímico dos frades-filósofos transformava o
cobre em ouro e dava ensejo para a retransformação espiritual da comunidade. E
na Sala do Capítulo, onde se tomavam as decisões mais impactantes relativas ao
futuro da comunidade, estão ainda as janelas que ofereciam aos irmãos uma visão
privilegiada sobre a cidadela relembrando-os da ligação ao poder temporal que
ela representava.
O céu e a terra ligados numa
ponte mística neste convento de Cascais…
O Convento de Nossa Senhora da Piedade, onde em 1594 nasceram e cresceram os primeiros laivos da ciência em Portugal, é hoje o cadinho da cultura em Cascais. E onde há quatro séculos atrás se salvavam as Almas através do deleite proporcionado pela oração permanente e pela proximidade a Deus, crescem agora os espíritos deslumbrados pelo carácter onírico e pela pujança cromática dos muitos artistas que permanentemente ali encontram um palco privilegiado.