por: João Aníbal Henriques
Helena Roseta, candidata à Presidência da Câmara Municipal de Lisboa e invocando o estatuto de ‘Independente’, veio hoje afirmar, e ainda por cima de forma convicta e assumida, que os “partidos precisam de levar uma lição”.
Na situação política em que Portugal está, com um regime dito democrático onde quem manda são os partidos, e no qual a representatividade civil está reduzida a uma expressão insignificante e quase exclusivamente restringida a três ou quatro figuras despartidarizadas que, num volte face quase macabro, se independentizam em prol de uma causa (leia-se cargo), é difícil perceber que ninguém se revolta ao ouvir uma coisas destas.
E por vários motivos…
Em primeiro lugar porque a senhora em questão ocupou até agora cargos públicos de grande relevo e destaque, nos quais a independência nunca foi preocupação dominante; em segundo lugar porque a mesma senhora ocupou esses cargos à sombra de vários partidos, assumindo convictamente os ideais de cada um deles e, depois, contrariando esses mesmos ideais em defesa dos contrários que então passou a abraçar; e por último, porque ao longo da sua vida política, a senhora já foi presidente de uma das Câmaras Municipais mais importantes deste País, tendo deixado atrás de si a má memória de quem não foi capaz de gerir o Concelho em questão (Cascais) criando os instrumentos mínimos de regulamentação do território que (pelo menos) prevenissem o caos urbanístico que estava nessa altura a nascer, e que praticamente destruiu Cascais ao longo dos 20 anos seguintes.
Se, conforme parece ficar subentendido das suas palavras, é a partidarite que condiciona negativamente o desempenho político dos nossos autarcas, então teríamos qualquer coisa que explicava de razoável a sua passagem por Cascais em representação do PSD, e mais tarde pela Assembleia da República em representação do PS. E para nós, que desde há muito culpamos a falta de representatividade dos partidos que temos pelo clima de incúria permanente em que Portugal vem vivendo desde há mais três décadas, tal seria motivo de apoio incondicional e aplauso imediato.
Mas a senhora em questão foi militante socialista, desempenhando cargos de grande relevo, notoriedade e importância nessa condição, até há algumas semanas atrás! Não foi há décadas, anos ou meses que ela percebeu isso e se desfiliou. Foi há semanas! Foi somente quando precisou de se desfiliar para ser A candidata à edilidade lisboeta.
Será que tudo mudou desde a apresentação da sua candidatura à Câmara de Lisboa? Será que abriu finalmente os olhos depois de décadas partidarizadas em vários cargos públicos? O que será que aconteceu?!...
De facto, e sabendo de antemão que depois do próximo Domingo tudo vai ficar na mesma no Município de Lisboa, e que serão os mesmos partidos, da mesma forma, a negociarem entre si os mesmos apoios necessários à manutenção do seu poder, é pouco preocupante que os militantes A, B ou C deste ou daquele partido contradigam toda a sua vida abraçando a causa da independência. Aliás, é tudo de tal maneira irrelevante que quase não se percebe como ganha tanta notoriedade um acto tão inócuo e inconsequente para Portugal e para a Cidade de Lisboa.
O que é verdadeira e clamorosamente preocupante, porque mostra que vivemos hoje numa sociedade anestesiada por um sistema viciado onde quase nada é aquilo que parece, é perceber que, depois de estas palavras terem sido proferidas por quem foram, da forma como foram, na ocasião em que foram, e no local onde foram, não se vislumbram reacções de maior por parte dos portugueses.
E a razão para essa preocupação é simples de perceber: já não existe Sociedade Civil em Portugal! Parece que morreram finalmente, depois de trinta e três anos de sofrimento, os últimos resquícios do verdadeiro Portugal.
Agora, de forma comprovada, podem todos os partidos (legalizados) respirar de alívio, porque já não há ninguém que os impeça de dizer e fazer o que lhes interessa…