terça-feira

José Saramago e Portugal





Por: João Aníbal Henriques


Apesar do respeito que fica a dever-se a muitas horas de puro deleite em torno das palavras que preenchem de forma (quase) genial as muitas obras de José Saramago, não é possível, enquanto português, deixar passar sem mágoa as últimas considerações do escritor sobre a portugalidade…


Agora, passados muitos anos sobre o episódio ambíguo que envolveu Sousa Lara e o “Evangelho Segundo Jesus Cristo”, Saramago vem dar razão ao antigo governante, demonstrando de forma cabal que os seus textos, bem como a perspectiva que possui do Mundo, dos Homens e da sociedade, são uma distorção completa e absoluta dos principais valores que deveriam presidir à organização do nosso quotidiano.


Portugal e os portugueses, Nação criada e consubstanciada há mais de 800 anos, não é passível de interpretações de carácter económico-financeiro… Portugal é uma das mais antigas Nações do Mundo e, com toda a certeza, uma das mais solidamente estruturadas no seio da Península Ibérica.


A Espanha (ou mesmo a Ibéria de que Saramago fala) não é mais do que a soma artificial de uma série de Nações diferentes e, dada a artificialidade que as agrega, sujeitas a períodos de grande conflitualidade e negação que, conforme facilmente se percebe na recente História de Espanha, são sinónimo de mal-estar, profunda crise, e insegurança no País vizinho.


Mas como, negando todos os valores, princípios e caminhos da doutrina comunista que diz defender, Saramago apela à economia para explicar a tal necessidade de Portugal se integrar no universo espanhol, também por aí se vê que nada daquilo que diz faz sentido para Portugal e para os portugueses. E por várias razões…


Em primeiro lugar porque a Nação portuguesa está hoje, no âmbito da sua integração europeia, espartilhada enquanto País pela crescente federação da Europa que, embora demasiadamente frágil para tocar nos princípios basilares da sua portugalidade, já actua de forma quase total nas estruturas representativas e governativas do País. Portugal, nos dias de hoje, mantém o estatuto de Nação, mas perdeu (parece-me por completo) a sua autonomia enquanto País. Portugal não decide, não legisla, não cunha moeda, não pode definir estrategicamente o seu futuro. Logo, Portugal já não é um País independente que possa decidir integrar-se no Estado Espanhol.


Por outro lado, e de forma consistente ao longo da sua História, torna-se fácil de perceber que nunca existiram razões concretas para a sua independência Nacional. Não há explicações de âmbito económico, financeiro, estratégico, geográfico, cultural, étnico, político, etc. A única razão que presidiu à constituição da Nação Portuguesa, tal como Sousa Lara tão bem percebeu quando exerceu o seu mandato como Subsecretário de Estado da Cultura, foi de âmbito quase sagrado, sempre em torno de princípios morais (por vezes também de cunho religioso), naturalmente partilhados desde há muito por todos aqueles que viviam neste nosso território português.


Portugal não foi criado. Portugal nasceu. Portugal nasceu de parto natural; nasceu no coração dos portugueses; Portugal está registado na informação genética da sua comunidade e no ADN dos portugueses.


É por isso que Portugal resiste a tudo… guerras, revoluções, terramotos, invasões, etc. etc. etc. É também por isso que, mesmo longe de Portugal; mesmo do outro lado do Mundo; mesmo três ou quatro gerações depois de saírem de Portugal; os portugueses mantêm a sua portugalidade… e mesmo quando a negam, emocionam-se com a nossa emoção, e vivem de coração aberto as grande causas que, pontualmente, vão mostrando ao Mundo qual é a única razão que sustenta a existência de Portugal…


Não perceber isto é não ser português. E quem não é português não pode (mesmo que queira) trair Portugal.


José Saramago, Nobel da Literatura e génio da escrita, não traiu Portugal. Pôs simplesmente em causa os princípios e os valores que norteiam um País que não é o seu, que ele não entende, que ele não é capaz de sentir…


Que viva (longe) muitos e longos anos, produzindo obras-primas da literatura Mundial. Mas que não volte a pronunciar-se (nunca mais) sobre este Nosso Portugal!