quarta-feira

A Fortaleza de Nossa Senhora da Luz (Cascais)





Primeiro pedaço de terra a ser observado quando se chega de Lisboa por mar, e último quando se parte para viagens de descoberta, a Fortaleza de Cascais é assumidamente uma das mais importantes peças da guarda avançada da capital. Muito embora violada na sua memória histórica desde a construção da marina, que lhe retira por completo o sentido de existência, é hoje um espaço onde se mantêm viva uma parte importante da História de Cascais.

Perdida no seio de sucessivas intervenções, que construíram e reconstruíram as estruturas defensivas da Vila de Cascais, a Fortaleza de Nossa Senhora da Luz é apenas uma parte da totalidade dos edifícios existentes dentro do recinto hoje commumente designado como Cidadela.

Composta pela Fortaleza de Nossa Senhora da Luz; pelos restos da antiga torre que a precedeu; pela cidadela propriamente dita, construída no Século XVII por D. João IV; e pelo Palácio Real do final do Século XIX; o conjunto monumental formado por estes equipamentos é hoje um dos mais importantes bastiões do património edificado cascalense.

Apesar de os mais antigos livros sobre o desenvolvimento histórico da Vila e do Concelho de Cascais apontarem o reinado de Dom Manuel I, como marco cronológico para o início da construção da Fortaleza de Nossa Senhora da Luz, possivelmente devido ao registo feito nesse sentido nas Memórias Paroquiais de 1758 pelo Pde. Marçal da Silveira, Pároco de Cascais, parece certo que as obras terão decorrido em período diferente, como aliás o atestam os trabalhos arqueológicos que ali se desenvolveram coordenados pela historiadora Margarida Magalhães Ramalho.

De facto, e tendo em conta as características estruturais do edifício, com os seus baluartes defensivos, tudo aponta para que a sua construção seja posterior àquela data. De acordo com aquela historiadora, somente no Século XVI é que se começaram a utilizar as novas técnicas construtivas visíveis na fortaleza de Cascais: “É por demais sabido que a invenção e a primeira utilização do traçado abaluartado é de responsabilidade italiana, estando esta Escola, na primeira metade do Século XVI, a dar os seus primeiros passos”.

Tendo sofrido diversas modificações, que alteraram significativamente o seu aspecto exterior, o edifício conseguiu, no entanto, manter sempre vivas as memórias dos tempos anteriores. Profundamente intervencionada no decorrer do período filipino, e posteriormente no reinado de D. João IV, que edificou todo o recinto amuralhado exterior, a Fortaleza de Nossa Senhora da Luz surge já representada iconograficamente na figura de Bráunio, de 1572, a mais antiga imagem conhecida da Vila de Cascais.

Em 1755, quando o terramoto destruiu grande parte dos edifícios da localidade, a Fortaleza de Nossa Senhora da Luz, e a Cidadela de Cascais conseguiram sobreviver ao cataclismo, mantendo de pé as mais importantes partes da sua estrutura exterior. As intervenções arqueológicas levadas a cabo no interior da fortaleza permitiram perceber que, apesar de a sua fisionomia ter sido alterada pela introdução de novas soluções arquitectónicas, nomeadamente as janelas que acabaram por se incluir nas paredes outrora cegas da torre medieval, o acidente de 1755 não foi suficiente para derrubar as grossas paredes dos edifícios existentes.

As inovações introduzidas, permitindo uma adaptação daquele espaço às novas exigências militares do Século XVIII, mantiveram a função dissuasória do edifício. Após a intervenção de 1645, durante o reinado de D. João IV, a capacidade do contingente da fortificação passou para cerca de 3000 homens, governados pelo Conde de Cantanhede, D. António Luiz de Menezes, o que comprova a importância estratégica que desde sempre caracterizou a Vila de Cascais.

Com a construção da moderna marina que, apesar da contestação promovida pela generalidade dos cascalenses, acabou por envolver todo o recinto amuralhado, a Cidadela de Cascais e a Fortaleza da Luz perderam os seus horizontes atlânticos, transformando-se numa memória oca dos destinos marítimos de outros tempos.
Defraudada, delapidada, e envelhecida, com o seu velho palácio Real, e com os constrangimentos paisagísticos que os políticos de hoje lhe impuseram, a Fortaleza de Cascais merece ser devolvida, de forma definitiva e irreversível aos cascalenses.