sexta-feira

A República em Cascais (1910-2010) – A Vila da Corte no Processo Revolucionário






por João Aníbal Henriques

A criação de muitos postos de trabalho, e o incentivo dado à criação e posterior promoção do sector produtivo Cascalense durante os reinados de Dom Luís I e Dom Carlos I, foram os principais factores que estiveram na base da modernização e ao rejuvenescimento social e cultural da Vila de Cascais.

Finalmente, após mais de quinhentos anos de História, Cascais sai do marasmo em que se encontrava, assistindo ao progressivo enriquecimento do seu povo. Pela primeira vez na História de Cascais, os naturais possuem as condições necessárias para se poderem desenvolver, incrementando as suas tradicionais ocupações, como a agricultura, as pescas e as indústrias conserveiras, e intentando novos investimentos em áreas de negócios mais rentáveis.

Com um quadro político desta natureza, e com a criação de extraordinários (e pouco usuais para a época) jardins e espaços públicos (o Jardim Visconde da Luz e a Parada são exemplos emblemáticos desta situação), paralelamente ao apoio que é dado aos corpos de salvamento de actividades marítimas, e a criação de novos arruamentos e meios de transporte, fácil será perceber as inúmeras dificuldades sentidas pelos propagandistas republicanos para poderem disseminar por aqui as suas ideias (21).

Segundo nos relata Ferreira de Andrade (22), o dia 1 de Fevereiro de 1908 representou o fim trágico do período de esplendor e crescimento da Vila de Cascais: “Não mais se animaram nessas tardes festivas dos últimos dias de Setembro os passeios e as praças da povoação. Um silêncio tétrico, pressago, pairava sobre a Vila. Dona Maria Pia continuava veraneando na sua vivenda no Mont’Estoril. D. Manuel II e sua mãe raras vezes se deslocavam à Cidadela (…)”.

O primeiro sinal de uma prática republicana em Cascais é-nos relatado pelo Professor Marques Guedes (23): “Um iniciado da Carbonária, que ameaçara denunciar alguns cúmplices num roubo de cartuchame, apareceu morto no fundo a alterosa falésia contra a qual as vagas se arrojavam em fúria em dias de temporal. Apresentava vestígios de para lá ter sido arremessado”.

Como vinha acontecendo desde a chegada a Cascais do Rei Dom Luís I, no já longínquo ano de 1870, as festas locais começaram a preparar-se no dia 2 de Outubro de 1910. Corridas de Toiros, torneios de tiro aos pombos e outras actividades festivas que acompanhavam as tradicionais regatas, encontravam-se em fase final de preparação quando chegaram a Cascais as primeiras notícias relativas aos motins ocorridos em Lisboa.

Acerca deste período, primorosamente descrito pelo Marquês do Lavradio nas suas “Memórias”, poucas informações existem para além de alguns apontamentos dispersos publicados no jornal “O Século”.

As diversas incongruências e incompatibilidades relatadas nessas notas de imprensa, demonstram de sobremaneira a imensa confusão que grassava no Reino e também na Vila de Cascais. Em nota publicada no dia 7 de Outubro, “O Século” afirma que desde que se iniciaram os tumultos em Lisboa que Cascais vive ansiosamente sempre à espera de notícias que rareavam na localidade. Não funcionando já os comboios, Dom Afonso, tio do Rei Dom Manuel II, percorreu por diversas vezes a Vila em automóvel, não parando nem sequer durante a noite. Em relação ao povo, o mesmo jornal afirma que se manteve cordato, não havendo conflitos, muito embora centenas de homens de Cascais e das proximidades se mantivessem armados e aguardando ordens. No seguimento desta informação, o jornal “O Século” afirma ainda que de manhã, quando Dom Afonso embarca no Yate Amélia, se despediu da Vila chorando, e dizendo que levava o bom povo de Cascais no coração. Entretanto, na Vila, aguardava-se com ansiedade o resultado da revolução. Quando às nove horas da manhã chegou a notícia da proclamação da república, Dom Fernando de Castelo-branco, administrador do Concelho, pede de imediato a sua demissão.

No Diário de Notícias do dia 6 de Outubro de 1910, pode ler-se que José João Diniz, acompanhado pelas Filarmónicas da Parede e de Carcavelos, só nessa tarde conseguiu chegar a Cascais, percorrendo no meio do maior entusiasmo as ruas da Vila, e tomando posse do cargo de administrador provisório do Concelho, nomeado por ordem do governo provisório.

Seguindo o exemplo do que havia acontecido em Lisboa, nessa mesma tarde, aqueles que na véspera haviam aclamado Dom Manuel II e acompanhado a figura simpática do Infante Dom Afonso, assistem com emoção ao içar da bandeira bicolor da revolução triunfante, desaparecendo num ápice a popularidade que até aí granjeava a Família Real.

(21) Ver Diário de Notícias de 29.09.1904; 21.09.1904; 01.10.1908; Jornal O Dia de 02.08.1904; Ilustração Portuguesa de 03.10.1904
(22) Ver Nota (3)