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A República em Cascais (1910-2010) – Modernização e Prosperidade no Final do Século XIX





por: João Aníbal Henriques

Paralelamente ao grande desenvolvimento social da Vila, um complexo sistema de alterações económicas vem gradualmente contribuir para modificações profundas no nível de vida da sua população.

Se o sector da construção constituiria na época uma das mais rendosas actividades profissionais, mercê do elevado número de construções e melhoramentos introduzidos na Vila (10), os serviços de apoios ao cada vez mais elevado número de habitantes e visitantes iam crescendo também. Par fazer face ao crescimento exponencial da procura, abrem na Vila de Cascais diversas padarias e fábricas de pão, que importavam o trigo e farinha necessários aos produtores instalados no vizinho Concelho de Oeiras (11).

Como complemento a esta actividade de panificação, e de acordo com a anterior tradição do Concelho, implementaram-se diversas fábricas de tratamento e conserva de peixe, que serviam de base à dieta alimentar dos veraneantes e que perduraram activas até à década de sessenta do Século seguinte (12). A actividade hortícola, até aí promovida basicamente pelos “saloios” da Várzea de Sintra, conhece também um importante crescimento nas regiões interiores do próprio Concelho, notando-se nesta época um crescimento significativo nas povoações de Alcabideche, Adroana, Manique, São Domingos de Rana, Malveira-da-Serra, de entre outras, que exportavam as suas produções para o núcleo principal do Concelho onde já desde a década de 80 do Século XIX existia um importante mercado para comercialização de produtos agrícolas.

Acompanhando este surto de desenvolvimento económico, e em linha com o que acontecia nas principais estâncias balneares Europeias, os jornais da época publicitavam cada vez mais as actividades desenvolvidas na Vila de Cascais. Em 1870, no dia 24 de Julho, o Diário de Notícias anuncia o aluguer de uma moradia em Cascais, bem como uma viagem de recreio no vapor “Lusitano” entre Lisboa e a Vila. Facto curioso nessa notícia é o de, em relação ao preço do bilhete, que ele seria o mesmo do costume, o que deixa antever a grande procura de que seria alvo esse meio de transporte.

Em 13 de Agosto de 1871, na sua folha oficial, o mesmo Diário de Notícias publicava um decreto com a concessão do caminho-de-ferro do sistema americano ao Duque de Saldanha, na Estrada Real nº 67, de Lisboa a Cascais, e no dia 28 de Setembro do mesmo ano é anunciada a inauguração da luz eléctrica.

Do ponto de vista cultural, representou um momento áureo da vida na Vila de Cascais a realização no Concelho do Congresso Internacional de Arqueologia, em 1880, que para aqui trouxe centenas de congressistas oriundos de diversas partes do Mundo. Assim, durante um breve mas significativo dia, os grandes nomes da arqueologia mundial tiveram a oportunidade de visitar os monumentos Pré-Históricos da Vila de Cascais, terminando o seu passeio, já bastante tarde, num baile de gala oferecido pela Rainha.

Enquadrado no esforço do Visconde da Luz em modernizar a Vila, e com a autoria de Manuel Rodrigues de Lima, construiu-se em 1869 uma sala de espectáculos em Cascais. Pelo Teatro Gil Vicente, que recebeu recentemente obras avultadas de remodelação (15) passaram os grandes nomes do espectáculo do Século XIX, como Mercedes Blasco, Laura Ferreira, Pedro Cabral, Pereira da Silva, Beatriz Rente, Rodrigo Berquó , Dom Fernando Atalaia, D. Belmira Lima, etc.

Ao contrário do que se poderia pensar, a morte de Dom Luís I, grande impulsionador da vida em Cascais, ocorrida em 1889, não representou o fim da época de esplendor. O próprio cortejo fúnebre do Rei, maravilhosamente descrito por Ramalho Ortigão nas suas “Farpas” (16), representou um dos acontecimentos sociais mais marcantes do final do Século, tendo sido acompanhado de perto por todos os grandes nomes da aristocracia Nacional.

Após a subida ao trono de Dom Carlos I, que continuou a escolher Cascais como a sua praia de banhos, e no próprio ano da morte do rei Popular, é inaugurado o transporte ferroviário para Lisboa (17). A continuidade na utilização das praias da linha como pontos fundamentais da vida social de então, marcaram decisivamente a política daquela época. No “António Maria” de 29 de Setembro de 1881 (18), esboça Bordalo Pinheiro a sua primeira nota relativamente a esta extraordinária Praia da Corte. Por esta altura era o Teatro Gil Vicente palco de inúmeras actuações, durante o dia com “matinés” infantis que serviam para entreter as crianças e as suas “nannys” enquanto os pais passeavam descontraidamente pelo Passeio Marítimo, e à noite com grandiosas actuações de música ligeira, ópera e teatro. No Jornal “GilBrás” de dia 28 de Outubro de 1899, são-nos anunciadas duas grandiosas e opulentas festas de caridade que decorreram no Teatro Gil Vicente (19).

Paralelamente, era inaugurada em Cascais uma Real Praça de Toiros, onde lidaram alguns dos melhores toureiros da época. D. António Vasco de Mello, como cavaleiro, e José Martinho Alves do Rio, como farpeador, deram assim início a uma tradição tauromáquica arreigada que se estendeu quase até à actualidade e à qual desde logo se juntou o próprio Rei Dom Carlos I. Desde essa altura, muitas foram as touradas importantes realizadas em Cascais, sendo naturais desta Vila os senhores Dom Francisco de Avillez, Alberto O’Neill, Simão da Veiga, João da Veiga, Affonso Villar, Zêa Bermudez e Estêvão Vanzeller, responsáveis pela implantação da tauromaquia como grande espectáculo artístico Nacional.

A primeira exposição fotográfica que se realizou no nosso País, e que contou com a participação de artistas como Frederico Pinto Basto, Ennes Ulrich, Francisco de Herédia e o próprio Visconde da Luz, teve lugar em Cascais no dia 13 de Outubro de 1898. Foi este evento noticiado como grande acontecimento pelo Diário de Notícias (26) que mudou radicalmente o conceito nacional relativamente à fotografia, que passou a ser vista como uma arte equiparada à pintura e à escultura, e não como uma mera actividade figurativa.

Todas estas transformações, que aconteceram durante o período compreendido entre a chegada do Visconde da Luz e o final do reinado de Dom Carlos I, tiveram profundas consequências na Vila de Cascais e nas suas gentes. Se até aí produziam essencialmente para se auto-abastecerem, sendo a exportação para a Capital um fenómeno isolado e pouco digno de nota, a chegada da Corte marcou um definitivo ponto de viragem. A criação de postos de trabalho, que inicialmente acontecia somente durante o período estival, não tardou a alargar-se ao restante tempo do ano, à medida em que a aristocracia Lisboeta aqui ia investindo a sua riqueza, sobretudo construindo casas que lhes permitiam usufruir dos banhos e da companhia Real com mais conforto e comodidade. O apoio dado directamente por Dom Carlos I aos grupos recreativos, culturais e desportivos incentivo à criação de raízes sólidas neste local.

Paulatinamente, os que inicialmente só vinham para Cascais passar curtos períodos, começaram a instalar-se definitivamente, promovendo uma autêntica revolução no tecido social da antiga vila de pescadores.

Fácil de torna perceber, desta maneira, a forma hospitaleira e a efectiva alegria com a qual os Cascalenses receberam os seus novos e ilustres moradores, bem como a harmonia social e cultural que se recriou a partir desse momento. A chegada da Corte a Cascais, e a relação íntima de Cascais com o regime Monárquico, acabou por constranger em definitivo a implementação na Vila das medidas revolucionários que os partidários do 5 de Outubro aqui quiseram promover.

(10) Ver Nota (5)
(11) MIRANDA, Jorge, “Tecnologia Tradicional e Sistemas de Moagem em Oeiras”, in Actas dos Encontros de História Local, Oeiras, câmara Municipal de Oeiras, 1992.
(12) GOES, Maria das Dores, “A Real Fábrica de Lanifícios de Cascais”, Cascais, Câmara Municipal de Cascais, 1964
(13) Diário de Notícias, 28 de Setembro de 1898, “deve ser iluminada a Cidadela de Cascais para marcar a data de aniversário do Princípe Real Dom Luís Filipe”
(14) Ver Nota (3)
(15) Jornal da Costa do Sol, Fevereiro de 1994
(16) ORTIGÃO, Ramalho, “As Farpas”, Pag. 291
(17) Jornal O Aldense
(18) GilBrás, 28 de Outubro de 1899
(19) Diário de Notícias, 14 de Outubro de 1898