por: João Aníbal Henriques
Compreender o devir histórico de Cascais ao longo dos últimos anos do Século XIX, tal como as diversas questões inerentes ao desenvolvimento das estruturas organizativas da sociedade Cascalense, longe de ser passível de determinação individual, pressupõe um arreigado exercício de contextualização e de integração cronológica, social e espacial.
De uma maneira geral, tanto para os que dela são naturais como para aqueles que nela somente residem, a Vila de Cascais é um local com inúmeros atractivos. A proximidade da capital, as condições estratégicas de defesa, o clima privilegiado e as diversas linhas de água que a percorrem, foram as condições essenciais que definiram a ocupação humana que se estende desde o Paleolítico até à actualidade.
Deixando de lado os mais remotos e inatingíveis tempos da sua vida, e tomando em consideração somente o período que se estende entre 1143 e o dia 5 de Outubro de 1910, podemos distinguir na vida Cascalense quatro períodos fundamentais: o primeiro, que se estende desde o dealbar da Nacionalidade, em 1143, até 1364, corresponde ao período de afirmação da pequena vila piscatória como Concelho, desenvolvendo as suas instituições e a força do seu tecido social (4). O segundo, de 1364 até 1870 (5), caracteriza-se fundamentalmente pelo desenvolvimento das suas capacidades naturais. A pesca e as actividades em prol da defesa de Lisboa, a agricultura e a pecuária, encontram neste período a sua época de desenvolvimento e consolidação, antevendo a preparação das condições essenciais à radical transformação de que vai ser alvo no último quartel do Século XIX. O terceiro período da História de Cascais encontra-se situado entre os anos de 1870, data em que Dom Luís I, com o seu amor pelo mar e pelas actividades marítimas, passa a utilizar a vila como estância de banhos, para onde trás a Corte durante a época estival. E o último, corresponde ao período compreendido entre a implantação da república e a actualidade, onde o nível de vida, as capacidades da vila e as suas riquezas naturais, vêm-se progressivamente degradando, mercê da utilização exaustiva dos seus recursos e pautando a sua existência por uma contínua expansão turística massificada, onde pouco lugar sobeja para conhecer, reconhecer e potencializar a sua natural vocação de qualidade.
O presente trabalho, longe de procurar apresentar alternativas ao rumo tomado pelo Concelho ao longo do último Século, debruçar-se-á principalmente sobre os dois últimos períodos da existência da Vila, sendo que, pelas radicais diferenças que os caracterizam, e de entre um e o outro não ter existido uma evolução paulatina mas sim um processo revolucionário de modificação radical, será lógico encontrar no primeiro as sementes do segundo, e no segundo, de igual modo, as ramificações e consequências que resultam do primeiro.
As condicionantes básicas às existências destas duas formas de pensamento que, como se actualmente não são radicalmente opostas no que concerne à sua função prática, mudando-se os nomes e os processos de execução, mas mantendo-se as obras básicas de implantação, estão assim patentes em diversos momentos e decisões tomadas pelos órgãos competentes, sejam eles os diversos clubes, sociedades e grupos desportivos e culturais, como também na Câmara Municipal, na Junta de Turismo, de entre outras. As formas de propaganda de cada um dos regimes, bem como as benesses ou as imposições que ambos utilizaram durante a vigência dos seus mandatos, servirão assim de base à compreensão da consciência cívica e política da sociedade que, sem possuir um papel activo na gerência e/ou na administração da terra, se vê embrenhada em todas as questões, sofrendo na sua pele inocente as consequências negativas das decisões e medidas tomadas pelos governantes de ambas as facções.
(4) COLAÇO, Branca de Gontha e ARCHER, Maria, “Memórias da Linha de Cascais”, Lisboa, (SN), 1943.
(5) HENRIQUES, João Aníbal, “O Urbanismo de Cascais na Época Moderna”, Jornal da Costa do Sol, 22 de Julho de 1993.