terça-feira

A Corte em Cascais (1870-1910)





por: João Aníbal Henriques

Foi motivo de grande perplexidade  para o País a chegada da Corte a Cascais em 1870. Ao contrário do que vinha sucedendo desde há muitos séculos, a Família Real optou por deixar Sintra no final do Verão para vir para Cascais onde o Rei Dom Luís se deleitava com os salpicos salgados da água do mar. A decisão de se instalar na até aí quase desconhecida vila situada no extremo mais Ocidental da Europa, surge envolvida em polémica e nalguma galhofa junto dos círculos socialmente mais favorecidos da moderna sociedade Lisboeta. É que enquanto que em Sintra, em Évora, em Mafra ou em Vila Viçosa a Corte se deslocava de palácio em palácio, instalando-se em edifícios deslumbrantes que davam forma à grandeza que se imagina que acompanha sempre a figura do Rei, em Cascais a Família Real ficava instalada no Palácio do Governador da Cidadela que é, na sua diminuta expressão, o reaproveitamento das antigas instalações militares da velha guarnição…

Mas a situação ainda se complica um pouco mais quando falamos do resto da Corte. As grandes famílias Portuguesas, habituadas ao fausto e à grandiosidade dos salões da capital, sentem-se obrigadas a vir para Cascais com os Reis e a Família Real, mas aqui chegadas, contrariamente ao que acontece noutros locais, não têm outro remédio senão instalar-se nas minúsculas e velhas casinhas dos pescadores, trazendo consigo os serviços de refeições, toda a loiça, roupa de cama, etc. Nos primeiros dias depois da chegada a Cascais chegava a ser cómica a cena, com dezenas de criados trajados a rigor a esforçarem-se o mais que podiam para limpar e aconchegar os casebres Cascalenses que os pescadores locais lhes alugavam para a estadia de veraneio.




Nas revistas da moda e até junto dos mais conceituados escritores da época como Ramalho Ortigão, são às dezenas as crónicas e as descrições deste inusitado momento. Cascais, povoação conhecida por ser “feia” e pelo ditado que corria de boca em boca e dizia “a Cascais uma vez e nunca mais”, sentava-se ao espelho e pinta-se como se fosse uma primeira bailarina de uma qualquer sala de ópera Europeia. Depois de tratada, e principalmente durante os meses em que por cá permaneciam os visitantes ilustres da capital, tornava-se o espaço da moda onde convinha ser-se visto pois disso dependia o êxito social do Inverno seguinte.




A partir dessa altura, como se tivesse sido transformada num enorme palco de teatro, Cascais tornou-se a terra do fingimento. Fingia-se não sentir o desconforto dos casebres precários onde "sangues-ilustres" eram consumidos pelos percevejos; fingia-se ter dinheiro que não se tinha ou, tendo-o, fingia-se ter um sangue azulíssimo… Era em Cascais que, depois de muito penar nos empregos e trabalhos árduos da capital, se gastavam as economias guardadas com esforço; e era também aí, em episódios caricatos e repetidos vezes sem conta ao longo dos anos, que se traçavam as alianças entre as famílias, as estratégias empresariais e muitas vezes até os casamentos que deram forma a uma nova geração de Portugueses.