por João Aníbal Henriques
Encontra-se em discussão pública,
depois de ter sido aprovado pelo executivo municipal que actualmente se
encontra em funções, o Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação
Urbanística de Carcavelos Sul, mais conhecido por Plano de Pormenor de Carcavelos
ou da Quinta dos Ingleses.
Sendo possivelmente o mais
importante e polémico projecto de Cascais no decorrer da próxima década, não só
porque vai ocupar o mais privilegiado recanto concelhio e a última das frentes de
mar ainda livres, mas também porque vai alterar de forma profunda e radical a
entrada Nascente do Concelho através da Marginal, o Plano de Pormenor de
Carcavelos carrega consigo o ónus de mais de três décadas de uma história que
é, no mínimo, escabrosa, e que os actuais dirigentes autárquicos utilizam como
explicação para a aprovação definitiva que agora querem concretizar.
E em parte têm razão. Têm-na
porque, de facto, o início deste imbróglio se processa nos idos longínquos e
obscuros dos anos 80 (os tais em que o velho Cascais começou a desaparecer
engolido pelo betão), e também porque as decisões tomadas recentemente em
tribunal acarretam um encargo pesadíssimo para a Autarquia que, a
concretizar-se, comprometerá o dia-a-dia de várias das futuras gerações de
Cascalenses. Ou seja, é urgente encontrar uma solução e, acima de tudo, é
urgente conseguir libertar a Autarquia desta pesada teia de interesses,
insinuações e encargos que tanto constrangem o horizonte e os projectos de vida
deste Concelho.
Mas, para o cidadão comum, que
cumpre as suas obrigações, paga os seus impostos e pauta a sua vida pelos
valores da transparência, do rigor e da honestidade, muitas são as explicações
que urge obter…
Em primeiro lugar porque o dito
imbróglio não é situável no tempo. Ou seja, sabe-se que o seu nascimento oficial
aconteceu em 1982, conforme se explica de forma insistente no preâmbulo deste
projecto, mas não se diz que ao longo dos últimos 32 anos foram vários os
momentos e os actos que contribuíram para o reforço da confusão e que partilham
com o seu nascimento a responsabilidade daquilo que agora vai acontecer em
Cascais. Os partidos que se diz que estão no arco do poder, ou seja, PSD (que
estava na CMC na data da aprovação inicial e agora está também), o CDS (idem) e
o PS (que geriu os destinos do Concelho durante muito tempo), todos eles
poderiam ter resolvido o problema ao longo destes últimos anos. E não o
fizeram. Pelo contrário. Ou seja, a responsabilidade pelo que está a acontecer
é transversal a todos partidos que tomaram conta do poder desde 1974 e dos seus
dirigentes e esse facto não pode ser escamoteado de forma ligeira para,
sacudindo o pó para os olhos dos Cascalenses, os impedir de conhecer a verdade.
Este facto, incontornável verdade
que muito condiciona a discussão actual e o futuro desta nossa terra, faz com
que todos “tenham culpas no cartório” e, por isso, ninguém pode livremente
apreciar de forma eficaz aquilo que se discute e decidir em linha com os
interesses efectivos de Cascais e dos Cascalenses. Por outro lado, havendo
responsabilidades naquilo que aconteceu, haverá certamente responsáveis. Quem
foram esses responsáveis? Serão eles responsabilizados pelo que fizeram? Serão eles
punidos pelo que fizeram?...
A Autarquia também não explica
que a acção judicial que tanto peso tem neste projecto, está datada de 1999,
durante um mandato do PS, e que este partido, nessa altura, propôs uma solução
do problema muito semelhante a esta que agora defendem… e que nessa altura, a
dita proposta conheceu a oposição praticamente transversal de todos os
intervenientes, a saber, da então oposição, da sociedade civil, da comunicação
social, etc.
Poder-se-á dizer que a solução
agora apresentada é melhor do que a de então. Mas as alterações relativamente a
essa versão são tão singelas e insignificantes, que é certamente desculpa vã
para justificar o que agora se pretende fazer. O Plano de Pormenor dessa época
era mau, da mesma forma que é mau o Plano de Pormenor que agora se discute, e o
mal que dele resultaria para Cascais nessa altura, é praticamente o mesmo que
resultará da concretização deste que agora temos.
Mas passemos aos factos.
Ao abrigo deste plano, Carcavelos
vai perder a sua frente de mar e a mancha verde que existe associada à antiga
Quinta dos Ingleses. Ganhará, de acordo com o que conta nos documentos tornados
públicos, cerca de 140.821 m2 dedicados a nova habitação, o que equivale a um
acréscimo de 939 fogos, aos quais se juntam 40.000 m2 para serviços e cerca de
10.000 m2 para a construção de um hotel. Fora destes cálculos, e de forma
incompreensível, ficam ainda os 60 Ha de terrenos que foram subtraídos à Reserva
Agrícola Nacional (RAN) e que se destinam à criação de um pólo universitário, e mais uns quantos a Poente, junto ao antigo Hospital
Ortopédico.
Importa perceber que esta
realidade, a concretizar-se, significará uma mudança irreversível na dita
entrada de Cascais que, tal como aconteceu nos piores momentos dos anos 70, 80
e 90, ficará completamente enterrada sob uma enorme mancha de betão em tudo
semelhante ao que se fez na Guia, na Parede e noutros locais de má memória
neste Concelho já de si tão sacrificado.
Talvez fosse também importante
pensar, não só por parte dos dirigentes Autárquicos de Cascais como também por
parte dos promotores que pretendem ver aprovado este projecto, que as linhas
directoras que agora são propostas significam o reassumir do carácter suburbano
de Cascais que, em linha com a destruição de um espaço pleno de potencial, assume
novamente que não lhe interessam os parâmetros de excelência que deram forma à vocação
turística de Cascais e à Costa do Estoril de outros tempos…
Olhando à volta, para outros
promotores, outros planos de pormenor, outros projectos e outras urbanizações,
facilmente se percebe que existe um enorme excesso de oferta imobiliária em
Cascais, largamente superior à procura que subsiste e que a tendência é para
que esta situação se prolongue durante muitos anos. Ou seja, o amontoado de
betão que será construído em Carcavelos ao abrigo deste plano está (infelizmente) condenado a
transformar-se em mais um malogrado sonho inconcretizado que ficará para sempre
associado ao que de pior se faz em termos urbanísticos neste Concelho.
Por fim, importa ainda ponderar o
impacto que, noutras áreas, um projecto deste tipo vai ter. O trânsito e as
acessibilidades; o saneamento e os esgotos; a segurança; a saúde; para já não
falar no impacto ambiental dramático que ele significa; são apenas alguns
exemplos de consequências que a aprovação deste plano trará para Cascais.
Dizem os responsáveis actuais que
entre nada fazer e tentar resolver o problema, mais vale optar pelo mal menor e
retirar da Autarquia o peso das muitas responsabilidades que lhe foram
imputando ao longo dos anos. Têm razão. Mas o certo é que ponderando o que
temos, a potencialidade do espaço, os interesses legítimos dos proprietários e
dos promotores, os interesses mais legítimos ainda de Cascais e dos Cascalenses
e as muitas alternativas que poderiam existir para o local, facilmente se
percebe que, a bem de todos e de Cascais, seria possível encontrar uma solução
mais adequada e que tivesse em conta as circunstâncias especiais que
actualmente vivemos.
Concluíndo, importa sublinhar que esta é uma má
solução para Cascais e que existem alternativas se para tal existir interesse.
Importa explicar que a ser aprovado tal e tal como foi apresentado, o actual
plano configurará uma alteração definitiva e irreversível daquele espaço,
comprometendo de forma total a possibilidade de no futuro se poderem encontrar outras
soluções mais convenientes.