por João Aníbal Henriques
Há precisamente vinte anos
iniciava-se um novo ciclo político em Cascais. Depois das Eleições Autárquicas
de finais de 1993 (ver aqui), o novo Presidente da Câmara Municipal de Cascais,
José Luís Judas, impunha um novo estilo na governação municipal, depois de ter vencido
as eleições com uma maioria absoluta que levou o Partido Socialista a conquistar
Cascais de forma completa.
No Verão desse ano de 1994, Cascais
conheceu a primeira grande mudança na governação. As Festas do Mar, ancestral festejo
organizado pelos pescadores locais e que tinha como ponto alto a Procissão de
Nossa Senhora dos Navegantes, foram substituídas por um grande evento social
que, enchendo Cascais com milhares de visitantes, alterou por completo a
orientação original dos festejos.
A partir dessa altura, com
engarrafamentos brutais que entupiam literalmente os acessos à Vila, com carros
estacionados em cima dos passeios, gente e mais gente que em enormes multidões
enchia por completo cada recanto de Cascais, tornou-se hábito vir à nossa terra
assistir aos concertos gratuitos e, sobretudo, ao fogo-de-artifício que
deslumbrava os visitantes. No meio da multidão que afluía à Baía ouviam-se as
interjeições de gente completamente siderada pelo espectáculo que a Câmara
Municipal lhes proporcionava, acompanhado, como se de uma grande produção de
Hollywood se tratasse, pela banda sonora dos Vangelis.
E Cascais estava completamente rendido
ao charme sindicalista do novo Presidente. Dos empresários locais, às grandes
famílias tradicionais, passando pelos restaurantes, pelos construtores, pelos ambientalistas
e por muitos anónimos que dão forma ao povo de Cascais, era quase unânime a
aprovação de todos perante aquele que, sem a gravata de sempre e com a barba de
cinco dias por fazer, voltava a colocar Cascais no mapa da animação de
Portugal. E ai daqueles que ousassem criticar o novo Presidente! Com festas,
feiras e barracas a encher permanentemente a Vila, eram poucos os que ousavam
falar de assuntos como urbanismo, património, segurança, trânsito, saúde,
turismo ou qualquer outra matéria importante para o equilíbrio estrutural do
município Cascalenses!
Se havia escaramuças, então era o
delírio! Lá vinham os jornais e as televisões entrevistar o senhor presidente
que, cada vez mais popular, explicava que eram situações normais e que Cascais
estava a recuperar a animação de outros tempos… Em fundo, sempre os Vangelis,
numa apoteose de sucesso que enchia de fulgor a governação municipal.
Os efeitos desta onda de apoio
não demoraram a fazer-se sentir. O novo presidente não respondia a cartas nem a
faxes (ainda não existiam emails) de munícipes que ousassem questionar as suas
prioridades e, num instante, as instituições nas quais existiam Cascalenses
descontentes com a festança permanentemente instalada em Cascais, começaram a
receber as notícias acerca das “faltas de
verbas”, da “impossibilidade de dar
continuidade aos apoios de sempre”, das “dificuldades com se debatia o orçamento municipal”, etc. etc.
Nos Paços do Concelho, multiplicavam-se
os assessores, chefes-de-gabinete, directores municipais e outras figuras do
género que, numa lógica de clientelismo partidário que tanta mossa fez e faz
ainda, respondiam aos Cascalenses. O Presidente só existia para aqueles que
o elogiavam de forma incondicional e completamente dependente.
E o resto foi o que hoje, infelizmente,
já se conhece muito bem: o descalabro geral de um Concelho onde o betão se
multiplicou numa onda de destruição que pôs em causa a essência de Cascais; o
património histórico e arqueológico num estado de incúria e de abandono que
envergonhava quem gostava de Cascais; a saúde abandonada à sorte de um hospital
esgotado há 30 anos e sem soluções à vista; a segurança a descambar para uma
situação terrível onde a criminalidade grassava sem capacidade de resposta por
parte das entidades competentes; o parque natural transformado num enorme
depósito de entulho ao sabor dos projectos e das construções que por lá se iam
fazendo; os bairros clandestinos legalizados à força e à custa do erário
municipal como estratégia populista de manter o apoio eleitoral do PS; e muitas
outras desgraças que os jornais da época traduzem de forma premente.
À sombra das festanças, dos
cocktails, das inaugurações e das reportagens nas revistas da moda, a “mudança tranquila” ia encobrindo sob o
manto da distracção e do engano a destruição paulatina da Identidade Cascalense.
Essa onda de destruição foi quase
tão grande como o eram os bandos de visitantes que enchiam as ruas da Vila aos
Sábados à noite, ao ponto de Cascais – o Cascais de sempre que conhecemos e do
qual todos gostamos – quase ter desaparecido completamente, tendo sido quase
impossível, mesmo depois de nove anos de uma presidência séria do Cascalense
António Capucho, recuperar integralmente da destruição que a nossa terra
conheceu.
Mas como epifenómeno que era, a
popularidade de Judas acabou por se desvanecer. Durante o segundo mandato do
então Presidente, depressa os Cascalenses perceberam que por detrás do cenário criado através de um
clima de festa permanente havia um município que estava a destruir-se
rapidamente.
Choveram as críticas e os ataques
e muitos daqueles que tinham sido arrastados pelo apelo simpático do Presidente, acabaram por perceber que o fogo-de-artifício não era suficiente
para encobrir os muitos desenganos que estavam a acontecer.
E virou-se o feitiço contra o
feiticeiro, como sempre acontece. A verdade acaba sempre por impor-se e por
chegar aos Cascalenses.
Já temos 650 anos de História repleta deste tipo de acidentes…
(*) Qualquer semelhança entre o que se passou há vinte anos
e o que acontece actualmente em Cascais não é mera coincidência…