Quando em 1177 Pêro e Aragão e
sua mulher Sancha Soares vendem uma parte das Salinas de Rio Maior à Ordem do
Templo, facto confirmado através de documento que é a mais antiga prova
documental da existência daquele equipamento, estavam longe de imaginar que
marcavam de forma efectiva a história daquele recanto extraordinário de
Portugal.
Apesar desta referência, no
Século XII as Salinas de Rio Maior já deveriam ser uma exploração antiga. De
facto, quer pela sua estrutura funcional, quer pelas técnicas utilizadas para a
captação da água e seu posterior tratamento, tudo indica que as mesmas já
existiam pelo menos durante o período de ocupação Árabe da Península Ibérica
(Século VIII – Século XII), sendo aceitável que até já existissem em épocas
anteriores.
Produto de primeira importância
para a vida, o sal que nasce naturalmente de uma mina de sal-gema existente no subsolo
da Serra dos Candeeiros foi sempre parte essencial do esforço de sobrevivência
da vida humana. Por este motivo, é crível que tenha sido ponto de interesse
para o Ser Humano moderno desde que ele chegou à região.
Testemunho antigo de um mar
pré-histórico que terá existido no local, razão que explica a alta concentração
de potássio e a qualidade deste sal, existem vestígios de outras pequenas
explorações mais antigas em torno do espaço actual que, mercê do fluxo
permanente de água no poço que agora se usa, foram preteridos pela localização
actual.
O incontornável Pinho Leal, no
seu “Portugal Antigo e Moderno”, refere inclusivamente uma lenda que explica a
localização actual das Marinhas do Sal. Segundo ele, uma pastora que por ali
guiava o seu rebanho terá sentido sede e procurado água numa nascente situada
imediatamente a Leste da povoação designada como Fonte da Bica. Ao provar a
água, constatou que a mesma era muito salgada, tendo informado a sua família
que imediatamente acorreu ao local. Experimentada a mesma e escavado um poço no
ponto onde encontramos o actual, verificaram o fluxo daquele manancial e
mudaram para ali a exploração.
Ainda no “Portugal Antigo e
Moderno”, Pinho Leal refere que no final do Século XIX cada talho de sal valia
em média 144$000 Reis, montante elevado para aquela época e que atesta bem a
importância da jazida e do produto na Europa de então. É ainda ele que,
reiterando informação antiga, explica que estas salinas são únicas na Península
Ibérica e que eram tidas como as mais importantes dessa altura, sendo
reconhecidas a nível internacional.
Classificadas como Imóvel de
Interesse Público desde 1997 (Decreto n.º 67/97, DR, 1.ª série-B, n.º 301 de 31 Dezembro
1997), as Salinas de Rio Maior são hoje um dos pontos mais interessantes
e incontornáveis no panorama turístico do Centro de Portugal.
Recentemente, depois de o sal ter perdido valor e de a
economia ter abalado profundamente a estrutura de recolha e tratamento do sal,
as salinas conheceram um período de algum desânimo e declínio que se traduziu
na diminuição da sua produção e da degradação das suas estruturas de trabalho.
No entanto, depois de constituída a Cooperativa dos Produtores de Sal, o sítio
foi redinamizado, tendo sido recuperadas as antigas casas de madeiras onde se
recolhia o sal e reconfigurada toda a envolvência num interessante espaço comercial.
No meio das ruelas ladeadas pelas cabanas de madeira de
aspecto rústico, nasceram cafés, lojas de velharias, restaurantes e espaços
onde se vende sal e artesanato local, num esforço de modernização e de
adequação da oferta às exigências do Mundo actual digno de uma nota especial.
Preservando as memórias locais e as técnicas e tradições antigas, as salinas
tornaram-se um espaço etnográfico da maior importância e de grande interesse
para todos os que visitam Portugal.
Por ali se encontram, para além dos sacos de sal
embalados de forma atractiva e muito actual, os queijinhos de sal, inventados
de forma genial por um dos comerciantes do local, réplicas das pás e demais
instrumentos utilizados na extracção e as bonitas telhas muçulmanas que dão
forma aos telhados da região. Interessante, para além das velhas estruturas de
madeira suportadas por troncos de oliveiras que preservam a sua forma rústica original,
é a manutenção do sistema complexo de fechaduras em madeira, inventadas e
desenvolvidas para evitar a utilização de materiais feitos de metal que estão
muito expostos à oxidação reforçada aqui pela presença permanente do sal.
Para além de tudo isto, que só por si seria motivo
suficiente para uma visita ao local, os restaurantes ali instalados oferecem
uma ampla carta de refeições tradicionais, confeccionadas com base em receitas
antigas e com ingredientes de qualidade excepcional.
Em torno das salinas, num percurso que se estende por
mais de 7 kms, existe uma ciclovia que permite ao visitante conhecer o espaço
em redor, nomeadamente a flora e a fauna do Parque Natural da Serra d’Aire e
dos Candeeiros, e que se complementa com uma série de percursos pedestres que
garantem passeios verdadeiramente excepcionais.
A Fonte da Bica
O património histórico, composto por fontes e
fontanários que traduzem uma espécie de homenagem à água que prodigamente nasce
com grande qualidade em toda a região, cruzam-se com inúmeras igrejas, capelas
e pequenas ermidas, permitindo compreender a linha que dá forma a um culto verdadeiramente
ancestral. Importa ressalvar que, ao mesmo tempo que na Aldeia das Alcobertas,
uma das capelas da principal igreja do local reutiliza uma antiga anta que foi
integrada no espaço cultual, um pouco a Sul de Rio Maior encontramos a
Asseiceira, com as suas pouco conhecidas aparições Marianas, a que se juntam,
um pouco mais a Norte, o espaço incontornável da Cova da Iria, com o Santuário
Mariano de Fátima que fecha uma espécie de ciclo de património imaterial.
Os milagres, que em Rio Maior são desde sempre parte constante
do devir diário da população, traduzem-se aqui na sua expressão mais singela da
branca aparição. No sopé da montanha, longe do mar e da costa onde seria coisa
natural, o sal nasce da terra, oferecendo vida e saúde a quem estiver mal.
Para quem visita o espaço pela primeira vez, a visão dos montículos
brancos espalhados por estas marinhas tão especiais, representa um exercício
quase onírico de magia que reforça o carácter telúrico da região. Pena é (ou
talvez não) que ainda sejam poucos aqueles que conhecem este recanto tão
especial!