por João Aníbal Henriques
No final do Século XII, quando
Portugal vivia ainda no ímpeto massacrante da sua afirmação nacional, a região
do Ribatejo e a Cidade de Santarém foram peça-chave na definição conclusiva das
fronteiras e na capacidade de consolidação do País recém-nascido.
No seu esforço para crescer, as zonas
da raia assumiram especial importância, não só porque estrategicamente eram
pontos vulneráveis a possíveis ataques, como também porque eram zonas de
transição que impunham um controle defensivo arreigado e funcionavam como cadinho
para o permanente esforço de crescimento territorial.
Santarém, com a sua História
antiga e uma tradição assente na capacidade permanente de readaptação política,
social e cultural, foi sempre estrategicamente essencial para a formulação dos
equilíbrios que permitiram impor Portugal como nação incontestável na Europa de
então.
De especial importância, até porque
a sua situação junto ao Rio Tejo lhe dava um estatuto de redobrado relevo no contexto
dos núcleos urbanos de Portugal, Santarém estruturou-se urbanisticamente a
partir das vicissitudes da sua História política, ganhando desde sempre a capacidade
de adaptabilidade necessária para cumprir com sucesso esse desiderato.
A Igreja de São João de Alporão é
disso exemplo paradigmático.
Com uma História longa e quase
milenar, foi-se construindo e reconstruindo ao sabor das vicissitudes diversas
que a foram afectando. A sua espacialidade, muito condicionada pela posição estratégica
que assume na entrada do perímetro amuralhado da cidade, foi determinante na
concepção dos variados modelos defensivos da capital escalabitana, dela
dependendo as estruturas militares que existiam à sua volta e que foram
desaparecendo ao longo dos séculos.
Modelo híbrido em termos
arquitectónicos, porque representa de forma evidente uma posição de charneira
entre o românico e o gótico, pertenceu nas suas origens à Ordem de São João do
Hospital, na senda das suas funções de reconquista do território Cristão.
O seu pórtico de entrada, assente
em arcaria de origem românica, confere-lhe o peso da vetustez da sua longa História.
Mas a rosácea, encabeçando a transição para o goticismo iluminado, confere-lhe
uma certa singeleza que em contraste nos remete para os desafios mais inquietantes
daquele período da História de Portugal.
Havendo provavelmente alguma
explicação para este tão vincado carácter duplo do monumento escalabitano, o
certo é que o abandono da estrutura original românica e o assumir das
orientações góticas na redefinição do seu desenho, dota esta igreja de uma aura
quase mística no contexto da arquitectura religiosa de então. Obras inacabadas
na sua versão inicial, ou eventualmente um qualquer acidente e/ou cataclismo
que tenha obrigado à sua recuperação, o certo é que São João do Alporão se
define a partir desta duplicidade estética que afecta de forma indelével a
cenografia estética da Cidade de Santarém.
Antes de se transformar no notável
Museu de Arqueologia que agora é, a Igreja de São João de Alporão foi adaptada
a armazém de mercadorias e posteriormente a teatro, depois da extinção das
ordens religiosas ter implicado a sua venda em hasta pública a particulares.
Classificada como Monumento
Nacional desde 1910, a Igreja de São João de Alporão nunca perdeu o seu valor
simbólico na estruturação religiosa do Ribatejo, tendo ajudado a redefinir a
linha de pensamento de índole Cristã quando toda a região recuperou em
definitivo a estabilidade política necessária para esse efeito.