sexta-feira

O Estoril na Implantação da República




por João Aníbal Henriques

Quando em 1910 o regime republicano foi implantado em Portugal, os Estoris, conheciam uma vivência social muito próxima daquela que caracterizava a vila de Cascais, local de eleição da Corte, desde 1870, quando D. Luís I a escolheu como estância de veraneio.

Este facto, aliado à necessidade de capital para alicerçar os grandes investimentos urbanos que acompanham a viragem do século, aproxima o Estoril de uma posição conservadora que, em termos teóricos, deveria garantir-lhe alguns problemas após o dia 5 de Outubro de 1910.

No entanto, e contrariando as expectativas, tal assim não aconteceu, uma vez que a implacabilidade das forças republicanas, que sem grandes esforços movimentaram as suas hostes em todo o concelho a partir do núcleo da Parede chefiado por Nunes da Mata, conseguiu modificar pacificamente o regime, obrigando a sociedade estorilense, embora periclitante face a um apoio que era fundamental para levar a efeito o projecto de transformar este novo local numa estância turística de qualidade que estivesse a par com aquilo que de melhor existia na Europa, a entender que o novo regime, pese embora as suas deficiências, se encontrava preparado para não abandonar as suas conquistas facilmente, facto que contribuiu decisivamente para que tendencialmente se assistisse à criação de um acordo pacífico que facilitou o processo de mudança.



A pacividade desta mudança, no que concerne à Igreja de Santo António do Estoril, garantiu-lhe uma segurança que contribuiu para que em 1919, quando se cria a Junta Paroquial que  posteriormente será entregue a Monsenhor António José Moita, o inventário do seu recheio se mantivesse incólume e intacto, como se comprova pelo documento notarial que sela a entrega de todo o espólio pelo Ministério dos Assuntos Internos à Irmandade de Santo António do Estoril. A riqueza de tudo o que ali existia, e a guarda zelosa que é promovida pela alta burguesia estorilense que, desde 1834 controlava o edifício e tudo o que havia pertencido ao anterior convento, garantem à futura Paróquia um fundo de reserva que lhe permite desenvolver a quase totalidade dos projectos pensados, criados e levados a efeito por Monsenhor Moita.

Sem contactos directos com as correntes laicas e progressistas mais radicais, que noutras partes do País promoveram uma enorme devastação no património da Igreja, o Estoril de 1910 conhece o novo regime de uma forma bastante indirecta, somente através dos representantes municipais que, da Parede e a mando das hierarquias superiores dos partidos, obrigam a um pacifismo que interessa a ambas as partes. Ao Estoril, porque dele dependia o futuro do empreendimento turístico; e à elite republicana, porque ela própria dependia das potencialidades que o Estoril, paradigmático no contexto Nacional, conseguisse manter enquanto pólo atractivo de investimentos e elemento gerador de riqueza para os cofres muito depauperados do Estado.



Este carácter de elite da Paróquia do Estoril, alicerçado no nascimento da Irmandade de Santo António, no dia 15 de Abril de 1916, no nº 24 da Rua Nova do Almada, onde se situava o escritório do muito conceituado e futuro Presidente desta organização, o Conselheiro Ernesto Driesel Schröter, é demonstrativa do valor político e social que já referimos e, sobretudo, do carisma que envolve Monsenhor António José Moita a quem vão entregar a recém criada Junta Paroquial. Do elenco constitutivo na nova Irmandade, detentora de uma personalidade jurídica para a qual muito contribuiu a luta do futuro prior do Estoril, constam nomes como o de Carlos Augusto Velez Caldeira Castel-Branco, vice-presidente em parceria com seu irmão João Arnello Velez Caldeia Castel-Branco; Carlos Eduardo Mahoney, secretário em parceira com José Vianna Ferreira Roquette; António José Vianna, rico proprietário do Estoril; António Vianna Ferreira Roquette; João Sabino Vianna; António dos Santos Jorge; João Jacinto Seabra; Thomas d’Aquino d’Almeida Garrett; Agostinho de Carvalho; Ernesto do Canto Andrade; e José Paulo da Câmara. O Presidente Ernesto Schröter, na época Presidente da Associação Comercial de Lisboa e administrador do Banco de Portugal é, como já referimos, considerado por Manuel Villaverde Cabral como um marco na viragem no regime republicano e na contra-revolução que ditará, em 1928, o início do Estado-Novo, devido à sua intervenção no Ministério das Finanças do Governo de João Franco.

É precisamente este importante e influente Presidente da Irmandade de Santo António do Estoril, apoiado nas suas lides políticas pelas mais altas esferas do catolicismo português, quem escolhe Monsenhor António José Moita para assumir a coordenação da nova paróquia, facto bastante demonstrativo das tendências e dos princípios defendidos pelo prior, bem como da convicção e dinamismo com que ele empreende a direcção dos seus projectos.




Não será assim por acaso que a Paróquia do Estoril, já de si diferente por tudo aquilo que apontámos, se mantêm até quase ao final do século com apenas três priores: Monsenhor António José Moita; O Cónego Manuel José de Sousa; e, por fim, o Padre Armindo, sempre mantendo uma dinâmica de intervenção da qual faz parte um interesse permanente pelo desenvolvimento de medidas de intervenção de carácter social que promovam uma existência concertada e dotada de qualidade de vida na localidade.