por João Aníbal Henriques
A designação corrente de Casas de Veraneio, termo que se tornou comum no léxico dos Cascalenses desde há já muito tempo, surge em Cascais nos anos anteriores a 1870, dando origem a uma série de modificações que culminam na escolha desta povoação, a partir dessa data, como local de veraneio oficial do Rei e da corte, durante o período outonal.
A escolha de
Cascais, mais do que devido aos méritos da terra, pois estes estiveram
presentes desde o início dos tempos, deveu-se sobretudo à conjugação de
factores culturais, como sejam o interesse pelo mar e pela oceanografia, da
qual era grande adepto o Rei Dom Luís, com factores de índole patrimonial, uma
vez que antes da chegada da corte já o Visconde da Luz lutara pela introdução
nesta vila de uma série de alterações que visavam sobretudo a melhoria das
condições de veraneio e de habitabilidade.
As
habitações de génese rural e saloia, com uma forte componente
arábico-muçulmana, que até essa altura abundavam em Cascais, são assim
confrontadas com a necessidade de fornecimento de níveis superiores de conforto
aos veraneantes lisboetas da alta aristocracia que aproveitavam a relativa
proximidade da vila de Cascais face à capital, bem como a influência social
conseguida pela progressiva aproximação à corte, para singrar no complicado
panorama político português dessa época.
Uma das
condicionantes mais importantes dessa situação, para além da conjugação de
factores já apontada, foi ainda o estado físico do burgo Cascalense nesta
segunda metade do século XIX. O marasmo edificativo dos últimos séculos, devido
à pacatez que sempre caracteriza a vida de pescadores e de agricultores,
promovera a continuidade tipológica das casas e das gentes. Uma população
maioritariamente pobre, sem grandes recursos para além daqueles que retiraram
da terra e do mar, aliados a uma posição geográfica estratégica no que concerne
à defesa de Lisboa, e que trouxe a Cascais grande número de tropas que
obviamente não necessitavam de construir casas e que habitavam nos
aquartelamentos marítimos, fez com que o aglomerado urbano da vila se
mantivesse sempre muito característico, facto ainda observável na parte
denominada de centro histórico. A agravar ainda mais este marasmo, estava a
pouca concentração populacional no Cascais desta época, facto que,
inclusivamente, encontra eco na própria imagem que nos é dada da vila de então: «O cerne dessa imagem é, paradoxalmente, o esvaimento do próprio lugar
humano - o nome Cascais evoca um
sentimento cosmopolita da paisagem, a curva artificiosa da baía, o recorte das
falésias que suportam o embate festivo das marés. Esse nome é quase só uma
ponte entre a monotonia do quotidiano e o apelo, que se presume aventureiro, do
mergulho e da viagem. Às portas de Lisboa, Cascais não é um lugar de entrada na
capital mas um privilegiado ponto de partida. Em direcção à não urbe ou seja à
natureza, entre o céu e o mar e espaço indefinido do algures». As casas, quase
todas de pequeno porte e evidenciadoras de um conservadorismo devido à falta de
necessidade de transformação chegam a 1755 com as referências tipológicas
medievais praticamente intactas, sendo que o terramoto, mais do que criar a
necessidade de novas construções, onde a novidade seria facilmente introduzida,
veio criar a possibilidade, devido à morosidade das obras de reconstrução, de
se transformar por completo o núcleo edificado da vila, após 1870, adaptando-o
às necessidades da nova aristocracia veraneante.
Quando
mencionamos o fluxo edificativo dessa época, derivado da chegada a Cascais de
uma população que nada tem a ver com as origens do próprio espaço físico
cascalense, encontramos também a chegada das novidades arquitectónicas e da
arquitectura que designamos de veraneio.
As antigas casas dos cascalenses de outros tempos, ou melhor, aquelas que
resistiram minimamente à destruição protagonizada pelo grande terramoto de
Lisboa, mantiveram-se assim na sua grande maioria sem transformações de maior,
muito embora o desenrolar dos tempos, e principalmente as transformações
políticas resultantes do fim do regime monárquico, tenham obrigado a que muitas
delas assistissem ao acrescentamento de um andar superior que, no entanto, e no
que diz respeito à sua classificação tipológica, manteve as características
básicas das antigas habitações rurais com primeiro andar, tendo recebido ainda
algumas alterações ao nível da decoração e dos acabamentos.
Se em
Cascais a situação tende a tornar-se intermédia, no sentido em que as velhas
habitações de génese rural e saloia se vão progressivamente misturando com as
novas edificações aristocratas que ocupam os lugares abandonados pelas ruínas
das construções arruinadas em 1755, no resto da zona litoral a situação é
amplamente diversa.
Povoações como o Monte Estoril e o Estoril, por exemplo, são vastos pinheirais desabitados, ou locais onde o carácter precário das edificações permite a sua demolição completa e a sua substituição por novas habitações. São João do Estoril, Cai-Água e Parede, por seu turno, são pequenas aldeias saloias, onde a precariedade das construções existentes, bem como o reduzido preço das terras, permitiu a sua venda aos recém-chegados veraneantes de largas posses, e a substituição patrimonial de grande parte das suas habitações pela nova tipologia de veraneio.
Carcavelos, no entanto, apresenta ainda, pela sua origem muito marcada pela presença dos ingleses e pela exploração dos recursos vinícolas, um panorama ligeiramente diferenciado, uma vez que as antigas habitações rurais e saloias, devido à necessidade de mão-de-obra que era fornecida pelos seus habitantes para os trabalhos agrícolas, permitiu uma certa continuidade de ocupação, muito embora hoje seja já difícil distinguir as velhas habitações de Carcavelos completamente abandonadas e em ruínas, de velhos pardieiros e de currais para animais.
Povoações como o Monte Estoril e o Estoril, por exemplo, são vastos pinheirais desabitados, ou locais onde o carácter precário das edificações permite a sua demolição completa e a sua substituição por novas habitações. São João do Estoril, Cai-Água e Parede, por seu turno, são pequenas aldeias saloias, onde a precariedade das construções existentes, bem como o reduzido preço das terras, permitiu a sua venda aos recém-chegados veraneantes de largas posses, e a substituição patrimonial de grande parte das suas habitações pela nova tipologia de veraneio.
Carcavelos, no entanto, apresenta ainda, pela sua origem muito marcada pela presença dos ingleses e pela exploração dos recursos vinícolas, um panorama ligeiramente diferenciado, uma vez que as antigas habitações rurais e saloias, devido à necessidade de mão-de-obra que era fornecida pelos seus habitantes para os trabalhos agrícolas, permitiu uma certa continuidade de ocupação, muito embora hoje seja já difícil distinguir as velhas habitações de Carcavelos completamente abandonadas e em ruínas, de velhos pardieiros e de currais para animais.