Situado a Este de Manique, na freguesia de São Domingos de Rana, o Casal do
Clérigo é actualmente uma das mais pequenas localidades do concelho de Cascais.
Com uma população pouco numerosa e envelhecida, esta povoação distingue-se
ainda hoje pela sua riqueza natural, quer em termos paisagísticos, quer em
termos de solo, quer mesmo no que aos recursos naturais diz respeito. Mais uma
vez, e tal como em muitas pequenas aldeias do interior Este deste território
municipal, o Casal do Clérigo é rico em pedra Calcária, que utilizou, trabalhou
e exportou em grande quantidade.
Se do ponto de vista estratégico esta povoação tem pouco a oferecer, não
possuindo significativas infra-estruturas, escolas igrejas, campos desportivos
ou outros equipamentos, do ponto de vista patrimonial, é de grande quantidade
de monumentos, possui no seu seio belíssimos exemplares de imóveis de grande interesse histórico e
arquitectónico, nomeadamente no que diz respeito às formas rurais destacando-se
a presença de dois casais rurais com primeiro andar, um saloio, e de uma
captação pública de água, enquadrada dentro de um sistema de aqueduto destinado
às regas e à prática agrícola.
O casal saloio é um dos mais antigos vestígios da arquitectura rural do
concelho de Cascais. Muito embora seja quase impossível determinar com
exactidão a data precisa da sua construção, a volumetria simples que apresenta,
bem como o seu característico enquadramento espacial, e a própria forma
interna, aparentam a consolidação de uma sobreposição de ocupações, de onde se
destaca, pela presença do pátio retirado e pelo recolhimento da sua colocação,
os elementos básicos da presença muçulmana.
De facto, se nos ativermos aos elementos arquitectónicos, este casal saloio
apresenta características próprias dificilmente verificáveis noutros exemplares
análogos deste concelho. A estrutura de suporte do telhado, que ainda possui as
velhas telhas de burro, bem como a aparelhagem da parede, apresentam sinais
evidentes de um alonga ocupação, ao longo da qual muitas terão sido as
transformações aplicadas ao imóvel. muito embora o seu estado de ruína
contribua para a sua descaracterização, bem como para o o desagrado com que é
vista a manutenção da existência deste espaço, o certo é que o casal saloio do
Casal do Clérigo foi já uma peça importante da estrutura habitacional
cascalense que, para além de indiciar o modo de vida agrícola do seu
proprietário, aponta ainda para o registo das influências norte-africanas,
desde meados do século VIII, e para a continuidade e manutenção das inovações
trazidas desse espaço. A alvenaria grosseira das paredes, que possuem mais de
meio metro de espessura, e a pequena janela aberta possivelmente em períodos
mais recentes, indiciam a presença de um exemplar muito antigo da arquitectura
popular cascalense.
O exemplar de casal rural que apresentamos indicado com o número 480, é um
excelente exemplo daquilo que foi o verdadeiro Casal do Clérigo de outrora. O
edifício, com andar duplo e exploração agrícola é um dos exemplos dos velhos
casais agrícolas que existem em grande quantidade por todo o concelho,
demonstrando, de forma evidente, a forma como as influências muçulmanas,
implicaram na criação, manutenção e desenvolvimento das estruturas de
pensamento cristãs medievais.
Em termos arquitectónicos, este casal rural do Casal do Clérigo apresenta
uma estrutura sólida e quadrada, com paredes de espessura uma estrutura sólida
e quadrada, com paredes de espessura superior a cinquenta centímetros e
cantarias de rígidas de calcário. A fachada, com uma porta no andar inferior e
uma janela de quatro partes no superior, denota a necessidade de solidez na
construção inicial, indiciando ainda a forma segura e pouco dispendiosa com que
se queria realizar esta habitação. Embora de alguma forma desenquadrada das
formas tipológicas mais usuais no concelho de Cascais, pela colocação de
espanta-fantasmas nos beirais do velho telhado, este casal rural apresenta
elementos apensos que, só por si, são merecedores de especial atenção por parte
das entidades competentes. A existência de um poço, onde se insere uma nora de
metal, marca a diferença deste espaço, onde a vocação rural rural, mais ainda
do que a própria fisionomia sóbria da edificação, se desenvolve em torno do
corpo principal da propriedade. O sistema de armazenamento de água a partir do
poço, num pequeno depósito colocado junto ao primeiro andar, indicia por seu
turno a realização de obras de adaptação em período recente, sendo que, o
actual estado de abandono, só pode ser resultado das normais contingências da
vida, em que o ciclo do nascimento, desenvolvimento e morte, inadiável em todos
os seres humanos, trás implicações difíceis de gerir no que à manutenção do
património diz respeito.
O facto de se encontrar à venda, bem como a necessidade que existe de
promover as raízes culturais das gentes que vivem nas imediações, parecem
apontar este casal rural como uma das peças fundamentais para o desenvolvimento
concertado do concelho, assumindo, pelas suas características e pelos elementos
que lhe foram apensos, uma vocação pedagógica que dificilmente será
substituível pelo mais capaz dos professores.
Fazendo conjunto com o exemplar anteriormente referido, encontramos no
Casal do Clérigo outra edificação de grande valor patrimonial. Situado a poente
da estrada que liga esta aldeia a Trajouce, o casal rural com primeiro andar,
classificado com o número 497, está actualmente em utilização comercial como
fábrica de mármore, atestando, como se referiu no início, a importância que a
indústria extractiva da pedra assumiu no seio da economia das populações do
interior do concelho de Cascais.
O exemplar em questão, possuidor de grandes analogias com o anteriormente
citado, possui uma frontaria de dimensões idênticas às do anterior, existindo
ainda a mesma disposição de porta e janela. Esta, muito embora possua as mesmas
dimensões daquelas apresentadas pelo exemplar já referido, está dividida em
três partes, indicando o factor de ser possivelmente mais recente do que a
outra. Muito embora não possua as estruturas de espanta-fantasmas referidas
anteriormente, este exemplar apresenta curiosos sinais da prévia existência de
um telhado a meia altura, possivelmente um telheiro de apoio ao telhado principal
de quatro águas que já não existe. A utilização como depósito e oficina de
talhe de mármore, bem como a sua situação no seio de um bloco de construções de
pouca qualidade arquitectónica e urbanística, cria aparentemente algumas
dificuldades à utilização deste espaço. No entanto, e porque de recuperações
pretende este trabalho falar, salientamos o facto de ser extremamente vantajoso
para o concelho, do ponto de vista urbanístico e cultural, a requalificação
destes espaços. Para tal, e porque a manutenção do funcionamento da oficina não
pode, obviamente, ser posta em causa, necessário seria investir na reconversão
total daquele espaço, de modo a integrar a faceta histórica e patrimonial, numa
visão mais ampla de progresso, onde a memória do futuro, elemento chave da
identidade Nacional, se possa desenvolver de forma harmoniosa, contribuindo
para o desenvolvimento da qualidade de vida dos habitantes do Casal do Clérigo
e de todos os habitantes e munícipes de Cascais.
O quarto elemento essencial para a compreensão daquilo que patrimonialmente
é o Casal do Clérigo, é a captação pública de água. Este exemplar, integrado
num espaço amplo de características agrícolas, apresenta uma estrutura simples
datada de 1915, indiciando a manutenção da importância atribuída à prática
agrícola até épocas muito recentes. Muito embora o seu estado de conservação
não seja caótica, apresentando ainda quase intactos todos os componentes de
origem, esta mãe-de-água do Casal do Clérigo necessita de uma intervenção de
requalificação urgente. Os acessos, o estudo e a classificação deste espaço,
segundo parâmetros de qualidade e de aproveitamento lúdico-cultural,
transformaria, assim um espaço desaproveitado num centro de desenvolvimento
urbano, tendo em conta, como é evidente, os interesses de Cascais e dos seus
habitantes.
A estrutura de aqueduto que envolve este espaço, bem como os diversos
tanques de armazenagem e distribuição da água, fazem deste lugar um espaço único
de desenvolvimento pedagógico, servindo de exemplo para ensinar à população
escolar das redondezas, a forma eficaz e simples como se desenrolava a vida nesta
povoação.
A consolidação do espaço histórico do Casal do Clérigo, e a posterior
integração dos dois casais rurais, do saloio e desta captação de água, poderiam
servir de incentivo á requalificação global do interior do concelho, tendo em
conta a forma caótica como se desenvolveram os bairros clandestinos nas redondezas,
e o espaço verde e equipamento cultural de que vão necessitar as futuras
gerações de cascalenses nascidos nesses espaços sem qualidade urbana.
A reconsolidação da memória, bem com o despertar da identidade são, foram e
serão aspectos essenciais na manutenção ideológica do concelho de Cascais. O
Casal do Clérigo, bem como a quase totalidade dos antigos núcleos urbanos deste
município, decerto tomará parte na construção do novo concelho de Cascais.