por João Aníbal Henriques
São raros os espaços assim que, extraordinários e
impactantes, não estão associados à monumentalidade das suas construções mas
sim à singeleza levada ao extremo. É o que acontece no Convento dos Capuchos,
em Sintra, onde a força da natureza de cruza com a vontade do homem para
recriar um espaço que apela ao sonho e à vida, ao mesmo tempo que acorre aos
desígnios que a carne impõe ao homem…
Embrenhado nas penhas antigas que dão forma à Serra da Lua, o
Convento dos Capuchos, também conhecido como Convento da Cortiça, recria-se a
partir da solicitação da pobreza extrema e do despojamento total que
caracterizava os seus mais antigos habitantes.
Construído em 1560 por Dom Álvaro de Castro, em cumprimento
de um voto formulado pelo seu pai D. João de Castro, Vice-Rei da Índia, que por
ali adormeceu durante uma caçada e que terá sonhado com a criação de um pedaço
de céu neste recanto inóspito da serra, o Convento dos Capuchos associa o
fulgor da natureza, com as suas pedras e penhascos envolvidos em vegetação que
romanticamente o envolve, com os mais profundos sonhos e anseios da humanidade.
Para lá entrar, passando um portal de sombra que nos verga
perante a cruz, é necessário abandonar as paixões do mundo e das coisas, de
forma a tornar possível abraçar por completo os desígnios mais profundos da
divindade. Lá estão, aliás, o portal com a caveira e as duas tíbias cruzadas
que, encimando a porta que sai do terreiro do sino para entrar no espaço
conventual, simboliza a morte em vida e o triunfo desta última sobre as
funestas sombras da morte…
E lá dentro, no estreito e obscuro corredor que dá acesso à
luz interna, ficam as memórias daqueles que se enterraram vivos, entregando a
Deus o seu insignificante corpo em busca da gloriosa apoteose da vida
verdadeira, ou seja, daquela que é imortal e que surge livre das peias
constrangedoras da carne.
Pobre, sombrio e frio, ao ponto de causar estranheza a
possibilidade de se viver assim, o convento obriga-nos constantemente a baixar
a cabeça. Fazemo-lo para entrar nas celas conventuais, na sala do capítulo, na
sala de jantar ou nas cozinhas, num acto de reverência perante Deus e num
ritual de humildade em linha com o ideário Franciscano que dá forma à Ordem que
por ali prevalece.
Por todo o lado, cumprindo a sua obrigação de gritar bem alto
que o crucifixo é uma realidade passageira, obviamente necessária para que a
carne faça sentido, mas necessariamente transitória no percurso maior em direcção
a Deus, lá está a rosa-cruz, espécie de roda em eterno movimento que grita bem
alto a Boa Nova e a ressurreição de Cristo Nosso Senhor.
Mas são muitos e variados os motivos de interesse deste
espaço excepcional. Desprovida das expressões mais vulgares da arte e da
ostensiva presença de um espólio enriquecido pelos muitos séculos de
boas-práticas que aquelas paredes já viram, a cerca é um autêntico cadinho de
maravilhas naturais, numa simbiose perfeita entre a força da natureza e a
vontade de Deus. Ninguém fica indiferente à decoração em cortiça, que enche por
completo cada canto e recanto daquele espaço conventual, nem tão pouco à labiríntica
disposição dos seus longos corredores, dispostos com naturalidade em torno da
formulação das penhas ancestrais que a natureza por lá deixou.
Neste convento, perdido num tempo que se constrói a partir da
inexistência do tempo, viveu durante muitas décadas o célebre e mítico Frei
Honório que, de acordo com a lenda, se penitenciou durante trinta anos numa
gruta inóspita existente na cerca, por ter cedido à tentação perante uma mulher
que lhe havia sido enviada pelo maligno para o deter. A pé e água, lá terá
sobrevivido até aos cem anos, tendo como companhia exclusivamente a paisagem
magnífica da Várzea de Sintra e o frio cortante que constantemente bate o
local, carregando as penas de quem por lá estiver. Mas era isso que procurava
Frei Honório. A libertação do corpo em defesa de uma Alma pura e liberta das
teias e tentações que a carne faz prevalecer.
É de deslumbramento total e permanente uma visita ao convento. Porque ali encontramos os arquétipos ancestrais que dão forma à nossa forma de ser e de pensar, ansiando na Terra pela descoberta do caminho em direcção ao céu. Filipe II de Espanha, o todo-poderoso rei que uniu Madrid e Lisboa num mesmo trono controlando um Mundo inteiro sob o seu ceptro, escreveu às suas filhas depois de visitar o convento dizendo que existiam duas maravilhas no seu reino: o Escorial, em Espanha, e o Convento dos Capuchos, em Sintra…
Pouco se
pode dizer sobre esta preciosidade do património Português, até porque a
singeleza que o caracteriza apela ao deslumbramento e à espiritualidade que é
sempre superior às palavras e ao talento necessário para as transformar na
montra que é necessário fazer. Mas é, certamente, um daqueles locais que vale a
pena visitar nem que seja uma vez na vida, até porque quem lá entra, desde que
o faça com a capacidade crítica de entendimento do espaço e de todos aqueles
que por lá viveram, recuperará certamente uma vida nova em linha com a ideia de
um paraíso terreal que todos gostaríamos de conhecer prevalecer.