terça-feira

A Singularidade e o Escadote Social de Cascais




O Concelho de Cascais, pela sua situação estratégica no seio da Península de Lisboa, e pela notoriedade que granjeou ao longo do último século e meio de uma história verdadeiramente extraordinária, é um dos espaços mais atractivos de Portugal, possuindo uma fama que o precede e que é conhecida e reconhecida por toda a Europa.

O cunho cosmopolita desta terra, assente nos pressupostos atrás definidos, é de extraordinária importância na definição da vida quotidiana do Concelho. Com um ímpeto progressista que surge associado à permanente capacidade de recriar paradigmas renovados a partir dos problemas com os quais se debate, Cascais esteve sempre um passo à frente do resto do Pais e caracterizou-se sempre pela inovação e pela modernidade.




Apesar de existirem aspectos positivos e negativos associados a esta situação, pois o crescimento desmesurado, associado à falta de planeamento e de rigor e de, em muitos momentos da nossa história, ter sido governada de forma pouco capaz, acabou por resultar nalgum caos urbano que se espraiou, com características diferenciadas, um pouco por todo o território municipal, o certo é que a fama de Cascais sobreviveu sempre e foi capaz de se impor às várias gerações que até agora habitaram o concelho.

A ideia de qualidade que Cascais deixa transparecer, conjugando o glamour das suas zonas mais emblemáticas com a fama que carregou até bem longe as suas potencialidades, transformou-se em ideias e estereótipos de um determinado tipo de vida que, não sendo linearmente real, serviu sempre de base para que viver em Cascais fosse considerado algo de verdadeiramente notável. Em consequência disso, e pelo menos desde que o Rei Dom Luís escolheu Cascais para estância de veraneio, nos idos de 1870, que esta terra é palco assumido para os devaneios de índole diversa que dão forma à sociedade portuguesa.

Como se de um escadote real se tratasse, Cascais é o local que procuram todos aqueles que alcançam a fortuna e o êxito, sendo aqui o melhor espaço para poderem usufruir das suas conquistas. Da mesa forma, e no plano oposto, Cascais é também o local escolhido por todos aqueles que anseiam pelo prestígios e pelo êxito, recriando em seu torno um espaço onírico que serve de cenário para a concretização dos sonhos que ainda faltam acontecer.




A singularidade de Cascais é, desta forma, dupla e dúbia. Associa-se às grandes figuras da nossa história que por cá passaram, e também aos grandes desaires e apaixonantes episódios que aconteceram dentro das fronteiras do Concelho, tornando-o único e irrepetível por aquilo que é, mas também por aquilo que muitos acreditam que ele pode vir a ser.

Um dos aspectos em que mais se faz sentir esta espécie de pressão positiva, que se fundamenta na solidez estrutural que todos ligamos à qualidade, é o da habitação. As casas, as ruas, os espaços públicos e os acessos a Cascais, sempre foram aspectos essenciais neste pressuposto de afirmação que a terra procura promover. Quem alcançou o sucesso, constrói normalmente em Cascais uma casa à altura do seu sucesso, ao mesmo tempo que quem procura o êxito opta por uma habitação que transpareça o fim último que procura atingir. Por tudo isto, durante muitas décadas, o crescimento e a consolidação da paisagem urbana no Concelho fez-se num processo de paulatina afirmação da qualidade, assumindo uma componente estética que reforçou de sobremaneira a já de si grande fama que a terra transportava. Os parâmetros volumétricos, as cores, as formulações geométricas e os materiais utilizados, eram geralmente de grande qualidade e inseriam-se nos mais vanguardistas movimentos da culturalidade das épocas em que se concretizavam.




No que aos espaços públicos diz respeito, o movimento foi idêntico, assistindo-se à criação de infra-estruturas e equipamentos de grande qualidade, em linha com o que se passava com a habitação privada. A qualidade de vida que resultou deste processo, evidente para toos aqueles que aqui viviam e mesmo para os que somente a visitavam, redobraram a fama de excelência que lá fora já caracterizava o concelho, exigindo que governantes e governados se pautassem por níveis de excelência pouco usuais no Portugal de então. Dos colégios e das escolas que recebiam as novas gerações, aos restaurantes, jardins, hotéis e campos de golfe, Cascais foi-se apetrechando de tudo aquilo que caracterizava uma grande capital, ao mesmo tempo que era capaz de preservar a pequenez das terras de sonho e das estâncias turísticas que desde o século XIX consolidaram o seu prestígio um pouco por toda a Europa.