por João Aníbal Henriques
Em Agosto de 1936, há precisamente 80 anos, terminava o
primeiro ano lectivo no Colégio João de Deus, no Monte Estoril. Nascido depois
da cisão que marcou o fim do Bairro Escolar do Estoril, fundado em 1928 por
João de Deus Ramos, João Soares, Virgílio Vicente da Silva e Mário Pamplona
Ramos, o novo estabelecimento de ensino depressa conquistou o prestígio que
havia de o acompanhar ao longo de toda a sua história, assente num projecto pedagógico
alternativo e inovador delineado pelo pedagogo João de Deus e concretizado pelo
pragmático Professor José Dias Valente.
Professores do Bairro Escolar do Monte Estoril (1935)
O Colégio João de Deus, que fechou portas em 1970, ainda
é hoje pólo aglutinador de vidas e de vontades, reunindo num almoço anual
composto por antigos alunos e suas famílias, largas dezenas dos rapazes que
durante quase quatro décadas encheram de barulho e de vida os cantos e recantos
do Monte Estoril. Por incrível que pareça, mais de quarenta anos depois do seu
encerramento, é forte e firme o sentido de pertença que une os antigos alunos
ao velho colégio, bem como perenes são as memórias que guardam como testemunho
do seu início de vida dentro das paredes do velho colégio estorilense.
Quando há 80 anos atrás abriu as suas portas, como
consequência de um movimento espontâneo de um conjunto de professores do antigo
Bairro Escolar em apoio ao seu mentor João de Deus que tinha optado por sair da
antiga sociedade que controlava o projecto educativo do Bairro Escolar, o
Colégio João de Deus pretendia recriar o ideário de uma pedagogia nova que
acompanharia a recuperação de Portugal. Exigente e cuidada, a prática educativa
defendida pelos professores fundadores assentava num apelo permanente à
liberdade. Pretendia-se cortar as amarras com a educação enciclopédica e
monolítica que até aí tinha sido a referência em Portugal, para dar corpo a uma
forma de ensino que compreendia, promovia e apoiava as singularidades de cada
um dos seus alunos, fomentando um crescimento em conjunto, como se de uma comunidade
quase familiar se tratasse, que permitisse aproveitar de forma eficaz o que de
melhor cada um possuía.
Os professores-fundadores do Colégio João de Deus (1936)
E como os planos raramente se concretizam tal e qual como
foram idealizados e a componente aleatória do destino se impõe normalmente aos
planos dos homens, o velho projecto imaginado por João de Deus Ramos de criação
de uma espécie de campus educativo em terras do Estoril acaba por soçobrar perante
a inexorável realidade, criando espaço para o surgimento de uma nova prática
que haveria de vingar contornando as vicissitudes e aproveitando os acontecimento
pródigos do devir.
Depois de concretizados os desaguisados que puseram fim à
sociedade educativa do bairro, um grupo de professores dos quais faziam parte
Mário Pamplona Ramos, Augusto Mimoso, Henrique Perestrelo de Alarcão, Álvaro
Themudo, Armando Lucena, Aníbal Henriques, Rubi Marques e José Guerreiro, tomou
a iniciativa de concretizar o projecto educativo do seu mestre num espaço
alternativo que projectaram construir.
Primeiro número do boletim "Nós Queremos" do Colégio João de Deus (1937)
Mas nem tudo foi fácil para este grupo de revolucionários
pois, por motivos eminentemente pessoais, e também pelo cansaço que derivava de
uma longa dedicada à escola e à educação, João de Deus Ramos não aceitou
encabeçar o novo projecto obrigando os promotores a encontrarem alguém com a capacidade
e com a disponibilidade para o fazer. E, dando espaço ao destino, a escolha
recaiu sobre um lisboeta com experiência no ensino e com vontade e os meios
necessários para liderar o novo projecto. Antigo colega da Faculdade de Letras
de Aníbal Henriques e Freitas e Silva, com os quais tinha mantido laços fortes
de amizade, José Dias Valente é assim convidado para vir dirigir o novo
colégio, cargo que vai ocupar até ao seu encerramento definitivo em 1970.
José Dias Valente e Aníbal Henriques na cerimónia dos 25 anos do Colégio João de Deus
José Dias Valente (1902-1977), eminente professor e
pedagogo, chega assim ao Estoril onde vai da forma ao mais conseguido dos
projectos educativos concretizados em Cascais. Ao longo dos 35 anos em que
dirigiu o Colégio João de Deus, Dias Valente transformou literalmente a vida de
milhares de Portugueses, tendo deixado uma herança de sabedoria que perdura ao
longo dos anos e que tanta importância teve na concretização do Portugal
moderno em que hoje vivemos.
Oitenta anos depois do início daquela aventura educativa,
quando ainda estão vivos muitos daqueles que penhoradamente assumem ter sido o
Colégio João de Deus o cadinho que lhes formou o carácter e os preparou para a
vida, importa homenagear José Dias Valente e todos aqueles que com ele tiveram
a coragem de concretizar um projecto assim.