por João Aníbal
Henriques
A cidade de Viseu,
capital da Beira Alta, é um dos mais extraordinários repositórios de História
em Portugal. Em cada canto e esquina, atravessando as ruelas de traçado
tortuoso que dão forma ao seu centro histórico, encontram-se os ecos de outros
tempos, como se certos espaços da cidade, por artes mágicas vindas sabe-se lá
de onde, preservassem de forma sentida as memórias das muitas vidas e das
muitas eras que sobre elas se cruzam.
Viseu, mercê de tudo
isto, alia a modernidade de uma vida já bastante cosmopolita, assente num
comércio que sempre foi activo e florescente, com um cunho de tradição que é
difícil de encontrar noutros lugares.
É o que acontece, por
exemplo, com o Chafariz de São Francisco, no início da Rua do Arco, para onde
concorrem os desígnios mais profundos de um romantismo que ainda hoje
caracteriza a cidade. Em conjunto com a Porta dos Cavaleiros, que é um dos
poucos restos da antiga muralha Afonsina, o recanto enche o olhar do visitante
com a beleza do trabalho em pedra mas, sobretudo, com as memórias imaginadas
por Camilo Castelo Branco que, no seu “Amor de Perdição”, situa ali a cena de
pugilato em que Simão Botelho se batia pelo amor de D. Teresa de Albuquerque...
De facto, construído no
Século XVIII, aproveitando um manancial natural que por ali existia, o chafariz
utiliza a formulação estética barroca e entrega-se à cidade sob a égide sagrada
de São Francisco, opondo a singeleza da devoção deste santo, à opulência quase majestática
que caracteriza este espaço. Compondo-se como se fosse uma espécie de cenário,
no qual o chafariz nada mais é o que o fundo de palco no qual brilham os restos
antigos da velha muralha com a sua porta histórica e o palacete beirão dos
Albuquerques, a fonte aproveita o espaço de uma estrutura anterior que terá
sido demolida por António de Albuquerque, o seu construtor.
Relativamente à porta,
é um dos últimos vestígios da medievalidade viseense, tendo resultado de um dos
derradeiros esforços de amuralhamento para protecção da cidade. Digna de um realce
especial, é a lápide existente no exterior da velha porta, dando conta da
devoção do Rei Dom João IV a Nossa Senhora da Conceição (muitos anos antes de o
dogma ter sido aceite pela Santa Sé, em 1854), em linha com uma tradição popular
antiga que considera Nossa Senhora da Conceição como Rainha de Portugal. A
Senhora da Conceição, ritualisticamente cultuada no território Nacional desde
antes da fundação da nacionalidade, é provavelmente o resultado da aculturação
das velhas crenças pagãs, cruzadas sobre uma enorme amálgama de pressupostos
que resultam das vicissitudes do devir histórico, resultando aqui, neste
recanto de Viseu, como uma espécie de eixo estrutural de uma Fé que é
transversal em termos políticos e sociais a todos aqueles que vivem no País, e
que conjuga, agregando vontades, o todo Nacional a partir de um elemento
devocional que todos aceitam como peça essencial da existência de Portugal.
Em Viseu, o Chafariz de
São Francisco e a Porta dos Cavaleiros, compõem um todo turístico que valoriza
a cidade, principalmente se interpretados a partir da sua integração na
riquíssima história local.