por João Aníbal Henriques
À medida que vamos subindo a rua
e deixando para trás as lojas antigas e sombrias de Alcântara e os velhos
restaurantes cheirando a fritos e a ranço que acompanham bulício do largo
principal da cidade, vemos sentido no ar um aroma cada vez mais especial.
A Tapada das Necessidades, logo
ali em frente, foi completamente reformulada em termos vegetais pela
genialidade do Rei Dom Fernando II, casado com Dona Maria II e proveniente da
Dinastia Germânica de Saxe-Coburgo-Gotha, possuído uma vastíssima colecção de
espécies exóticas que emprestam a toda a vizinhança um magnífico perfume
natural.
Possivelmente devido à
complexidade dos acessos, caracterizados pela exiguidade as ruelas e pelo facto
de geralmente desembocarem em pequenos largos sem saída, são muito poucos os
carros que por ali circulam e, possivelmente por esse motivo, impera por ali um
inesperado silêncio que quase nos faz esquecer que estamos em pleno centro da
Cidade de Lisboa e muito próximo de uma das artérias principais.
Embora não seja possível visitar
o palácio, onde funciona desde 1910 o Ministério dos Negócios Estrangeiros, nem
tão pouco as instalações antigas do velho convento que pertenceu à Ordem do
Oratório, a entrada nos jardins da Tapada é livre e permite conhecer melhor um
dos segredos mais agradáveis da capital.
Conjugando a vertente de jardim
formal, bem patente nas alamedas frondosas que o compõem e nos espaços
ajardinas de gosto Francês, com uma componente romântica que não é estranha ao
conjunto de memórias que por ali subsistem dos muitos reis e rainhas que ali
habitaram, a Tapada das Necessidades apresenta-se num misto ecléctico de estilos
que se impõem à paisagem e que desperta o interesse de quem a visita.
Composta originalmente por várias
parcelas de pequenos terrenos agrícolas que foram expropriados ao proprietários
por iniciativa do Rei Dom João V, que ali pretendia criar uma zona de caça e
uma cerca para o convento que acabara de se instalar, a tapada possui hoje
cerca de 10 ha de terreno onde são muitos os motivos de interesse.
Em termos de memória, a mais
forte que por ali se mantém, é certamente a do Rei Dom Pedro V que, casado em
1858 com a Princesa Dona Estefânia de Hohenzolen-Sigmaringen, procedeu a uma
profunda remodelação do espaço para o aproximar do gosto requintado da sua
mulher. Conjugando a modernidade parisiense de que Dona Estefânia tanto gostava
com gosto romântico de Dom Fernando II, seu pai, Dom Pedro V foi aquele que
mudanças mais profundas imprimiu ao espaço, tendo-o transformado em termos
formais em algo de muito próximo à realidade que hoje ali encontramos.
A morte prematura e dramática da
sua mulher, seguida, pouco tempo depois, também da sua, marcou o fim de um
período de pouco mais de um ano de grande fulgor para o espaço, que assistiu a
algumas das mais impressivas expressões de sentimento por parte dos Portugueses
e dos Lisboetas que ali foram maciçamente despedir-se dos seus soberanos.
Depois da morte de Dom Pedro V e
da subida ao trono do seu irmão, o Rei Dom Luís, que escolheu o Palácio da
Ajuda para residência oficial, o Palácio das Necessidades perdeu importância e
transformou-se numa mera residência pontual para visitantes estrangeiros
ilustres que chegavam à capital.
A importância só foi recuperada
durante o reinado de Dom Carlos I que voltou a transformar o Palácio das
Necessidades em residência oficial, tendo empreendido obras de algum vulto que
o dotaram das comodidades modernas necessárias às suas importantes funções
diplomáticas na Europa de então.
Depois da implantação da
república, o Palácio e o antigo Convento foram transformados no Ministério dos
Negócios Estrangeiros, função que ainda hoje desempenham, tendo a tapada
mantido de espaço de idílio da capital.
Do antigo moinho de vento que
evoca os antigos tempos da vivência agrícola do local, às estufas monumentais
em ferro forjado e vidro que Dom Pedro V mandou construir para usufruto da sua
mulher, ou mesmo ao antigo atelier de pintura da Rainha Dona Amélia ou os
courts de ténis mandados construir por Dom Carlos I para os príncipes Dom Luís
Filipe e Dom Manuel, são muitos e variados os motivos de interesse e os
segredos magníficos que guarda este lugar tão especial.