segunda-feira

Politicamente Correcto: Duarte Pacheco e a Urbanização da Costa do Estoril



No dia 30 de Outubro de 1932, quase dez meses depois do início das obras de construção da actual Estrada Marginal, o Ministério das Obras Públicas deu início à segunda fase dos trabalhos.

Fazia parte do projecto inicial do Engº. Duarte Pacheco, complementando a componente de melhoramento de acessibilidades à Costa do Estoril, a criação de uma envolvente cenográfica que motivasse a actividade turística nesta região. A nóvel Estrada Marginal, com passeios de dois metros de largura em ambos os lados, calcetados “à antiga portuguesa”, com árvores colocadas de 5 em 5 metros, e com um murete em buxo que deveria ser interrompido de forma abrupta em todos os locais onde existissem motivos de interesse, era assim uma espécie de grande cenário onde os poucos automobilistas que existiam naquela época deviam circular de forma lenta e compassada, assegurando assim o usufruto total da riqueza paisagística da região.




Esta estrada, preparada cuidadosamente e decalcada de outras semelhantes que nessa altura surgiam nas principais estâncias turísticas do norte da Europa, mostrava um Cascais verdadeiramente espectacular, tapando cuidadosamente os troços mais degradados que, de acordo com o projecto, deveriam ser corrigidos ao longo da década de 40.

Complementarmente, e prevendo que o atractivo da Marginal suscitaria um incremento do interesse por Cascais, Duarte Pacheco projectou a construção de uma autoestrada que sairia das Amoreiras, em Lisboa, e se estenderia até ao Guincho. É que, segundo a memória descritiva do projecto, não seria possível assistir ao aumento de população criado pelos atractivos que a Marginal suscitava, sem que, em alternativa, se criassem também circuitos de acesso rápido que motivassem a instalação de indústrias e serviços que apoiassem a nova comunidade nascente.

Mas como Duarte Pacheco sabia que o surto de construção provocado pelo incremento da qualidade de vida na Costa do Estoril,  traria problemas sociais totalmente diferentes dos que existiam até aí, optou ainda por tomar a iniciativa de preparar aquele que foi um dos primeiros planos de urbanização portugueses: o Plano de Urbanização da Costa do Sol, mais conhecido como PUCS, que ficou concluído em 1948.

Da conjugação destes três grandes empreendimentos, Duarte Pacheco pretendia retirar as condições necessárias à consolidação daquilo que hoje chamamos “vocação turística de Cascais”, através de um plano global que abarcava os aspectos relacionados com o urbanismo, com as acessibilidades, com o emprego e com o turismo.



O crescimento que se previa para o Concelho de Cascais, com a introdução destas novidades, devia dar-se de forma progressiva, ordenada e equilibrada, preservando o bem estar e a qualidade dos habitantes e residentes, e promovendo um incremento que acompanhasse a chegada de novos moradores.

De facto, quase nada aconteceu como o Ministro das Obras Públicas previu.

A inauguração da Marginal, acompanhada de um acréscimo substancial de automóveis e de circulação, fez-se sem que tivessem sido concluídos os acabamentos sonhados por Duarte Pacheco; nessa altura, com a morte prematura desse visionário ministro, deram-se por concluídas as obras de construção da autoestrada para Cascais, só concretizadas no troço que ia até ao Estádio Nacional, e privou-se o Concelho daquela que seria a sua mais importante artéria viária; e o PUCS, malgrado as suas boas intenções e espírito inovador, viu-se constrangido em regular somente uma estreita faixa do litoral concelhio.




Conclusão: Cascais cresceu de forma drástica no seu território interior, entupindo assim a cenográfica Estrada Marginal; no litoral, mercê do desenvolvimento de novas técnicas de engenharia que não existiam em vida de Duarte Pacheco, a paisagem foi quase completamente absorvida pelos edifícios de betão; e a tão sonhada vocação turística foi constrangida pela anarquia urbana que se instalou.

Apesar de tudo, a construção da Estrada Marginal e os projectos do PUCS e da Autoestrada de Cascais, são exemplos paradigmáticos daquilo que deveria ter sido o devir histórico deste Concelho.

Duarte Pacheco, homem de ideais mas também de trabalho prático e de capacidade concretizativa, faleceu cedo demais e não conseguiu acompanhar os resultados da sua obra. Por certo, se não fosse aquele fatídico acidente, teria garantido a concretização de todos os seus aspectos, e assegurado a eficácia da sua ideia.

A sua capacidade política, bem como o seu carácter visionário, são a prova viva de que é possível programar um desenvolvimento sustentável para Cascais.

Assim haja vontade, capacidade e... disponibilidade para o fazer!