por João Aníbal Henriques
Quando Cascais era ainda uma pequena e quase insignificante vila recém-criada, o seu povoamento mereceu uma especial atenção do também recém-eleito Rei D. João I de Portugal.
Numa carta datada de 15 de Novembro de 1385, quando o seu fiel vassalo Dr. João das Regras estava prestes a transformar-se em donatário do Concelho, o popular Rei procura criar incentivos que ajudassem a fixar novos habitantes à terra de Cascais. Nesse documento, inédito pela forma como pretende intervir no devir natural da localidade, D. João I ordena que os Cascalenses que habitem na Vila de Cascais não podem ser forçados a embarcar nas galés como acontecia na generalidades das póvoas marítimas portuguesas.
Numa carta datada de 15 de Novembro de 1385, quando o seu fiel vassalo Dr. João das Regras estava prestes a transformar-se em donatário do Concelho, o popular Rei procura criar incentivos que ajudassem a fixar novos habitantes à terra de Cascais. Nesse documento, inédito pela forma como pretende intervir no devir natural da localidade, D. João I ordena que os Cascalenses que habitem na Vila de Cascais não podem ser forçados a embarcar nas galés como acontecia na generalidades das póvoas marítimas portuguesas.
O alcance desta medida foi
de tal ordem que Cascais conheceu, a partir dessa data, um aumento exponencial
da sua população, criando assim uma comunidade autónoma e solidamente
estruturada, que suportou (por vezes de forma heróica) as contrariedades de
mais de 618 anos de História.
O discernimento do Rei, e a
enorme consciência que demonstrou ter relativamente aos interesses de Cascais
ao promulgar este decreto, contrasta de forma quase dramática com a situação
que hoje vivemos.
Sete décadas depois, e com
um índice populacional que coloca o Concelho quase no topo da tabela dos mais
populosos do País, Cascais debate-se com problemas variados que resultam de uma
crescente anomia social e de uma descaracterização preocupante.
O incentivo criado no Século
XIV parece que resultou de forma eficaz, porque Cascais depressa se transformou
num dos mais atractivos Concelhos de Portugal, para o qual continuaram (e
continuam ainda) a afluir anualmente milhares de novos habitantes.
Ao contrário do que
acontecia nessa altura, em que o poder político sabia exactamente quais eram ao
males que Cascais possuía, e sobretudo quais eram os remédios que deveriam ser
utilizados para os combater, o Cascais actual parece vogar incólume ao largo
das evidências. O acréscimo populacional que resultou da falta de regras
efectivas de crescimento do Concelho, agregado ao laxismo que culminou no
aparecimento de milhares de bairros clandestinos, não foi acompanhado de
medidas e/ou planos que permitissem uma real integração comunitária dos
recém-chegados.
A sociedade cascalense,
ferida de morte de cada vez que chegava a Cascais mais um agregado familiar sem
relações com o Concelho, foi-se descaracterizando progressivamente. As
infra-estruturas, por seu turno, foram também ficando cada vez mais
desadequadas perante a realidade local.
Do trânsito até aos esgotos,
passando pelo ambiente, pela segurança, pela saúde ou pelo património, tudo foi
perdendo qualidade, quase até ao ponto de transformar Cascais num mero subúrbio
incaracterístico de Lisboa.
Em 1385, para além da
consciência que o poder teve relativamente à realidade local, houve coragem
para tomar medidas concretas que fossem atractivos à fixação da população e que
permitissem resolver o despovoamento que nessa época afectava Cascais.
Hoje, perante a passividade de quem nos governa, resta esperar que haja
alguém que, para resolver o problema do sobre-povoamento, decrete a
obrigatoriedade de forçar a entrar nas galés aqueles que, por inoperância,
incompetência, ou meramente por distracção, não tomam as medidas que precisamos
para resolver os problemas de Cascais.