Depois de muitos anos de pesquisas e esforços inglórios, um
conceituado investigador marítimo terá finalmente conseguido determinar com
precisão o ponto da Baía de Cascais onde estão submersos os destroços do
Clipper Thermopylae.
A história desta embarcação faz parte dos anais da própria
História da Navegação Mundial. Construído no Século XIX por um importante
armador britânico, o Thermopylae foi, durante várias décadas, uma das
principais jóias marítimas da Coroa Inglesa.
De porte robusto, e com os seus três mastros oferecendo-lhe uma
imponência difícil de igualar, o Thermopylae foi durante muito tempo o veleiro
mais veloz do Mundo, mantendo uma rivalidade permanente com o seu conterrâneo
Cutty Sark que ainda hoje faz as delícias dos amantes do mar e dos desportos
náuticos. Conta-nos o Comandante Peter Kemp “que o mais rápido clipper que se
construiu em qualquer época foi o Thermopylae, no seu tempo o orgulho do
serviço da Marinha Britânica”.
Depois da chegada do vapor, e depois de centenas de missões
cumpridas com êxito sob bandeira britânica, o Thermopylae foi vendido em hasta
pública e adquirido por Portugal. A partir dessa altura, com o nome de “Pedro
Nunes”, calcorreou as águas sob domínio português como navio-escola, e
continuou a sua carreira de sucesso e prestígio.
Em 1907, depois de Portugal ter adquirido as suas primeiras
embarcações a motor, o Thermopylae deixou novamente de servir, tendo sido
encostado à Doca de Santos, em Lisboa, onde esteve durante algum tempo a servir
de cais para descarregamento de carMas as autoridades portuguesas de então, cientes do prestígio, da
fama, e da história fantástica do navio, depressa perceberam que aquelas
funções não estavam de acordo com o Thermopylae. E a opção era uma de duas: o
desmantelamento e a venda como sucata, tal como acontecia normalmente em
situações semelhantes; ou o seu afundamento puro e simples, para que repousasse
em paz nas águas profundas do oceano para o qual havia sido construído.
No dia 13 de Outubro de 1907, no âmbito de um festival naval realizado
em Cascais sob protecção de Sua Majestade o Rei D. Carlos, que era
simultaneamente o Comodoro do Clube Naval de Lisboa, o Thermopylae foi afundado
ao largo da Vila, servindo de alvo aos torpedeiros que a Marinha de então
estreava.
Com pompa e circunstância, e cumprindo todo o cerimonial inerente
ao desaparecimento daquele que era já então uma lenda dos mares, o povo de
Cascais assistiu dignamente ao afundamento do navio, que foi acompanhado de
salvas de palmas e de disparos de honra dos canhões da Cidadela.
De acordo com as notícias de então, pretendia-se “poupar ao
Thermopylae a ignomínia da venda para sucata”, oferecendo-lhe um
desaparecimento digno do seu nome.
Estranhos tempos esses em que o Estado Português, que poderia ter
arrecadado nos seus cofres uma verba substancial com o desmantelamento do
navio, tenha optado por fazê-lo desaparecer, em prol da honra, da memória e da
história de um barco. Estranhos tempos esses em que ainda não se falava de
democracia mas em que o respeito, a lealdade e a transparência imperavam.
Estranhos tempos esses em que o Rei Dom Carlos dizia acerca de cascais “que era
a terra onde o povo era mais nobre e onde a nobreza era mais popular!”
Palavra de honra!