por João Aníbal Henriques
Existem espaços e monumentos de
tal maneira simples na sua formulação estética, que dificilmente deixam antever
a complexidade que traduzem e a importância que têm no registo histórico ao
qual pertencem.
A sua singeleza, normalmente
associada à pureza extraordinária das comunidades que os construíram, traduz
assim um apelo quase inaudível aos sentidos, obrigando o visitante a um
exercício quase onírico para os perceber…
É o que acontece na Freguesia das
Alcobertas, no Concelho de Rio Maior, com a singelíssima Capela do
Espírito-Santo e, um pouco mais adiante, com o que resta do maltratado Castro
chamado de São Martinho.
A capela, simples na sua forma
chã e pragmaticamente inserida na tipologia própria da arquitectura de índole
religiosa das zonas rurais Portuguesas, integra-se num largo de bonitas
proporções no qual assumem especial importância um grande crucifixo construído
em 2001, e o painel de azulejos onde consta uma perspectiva do antigo Castro de
São Martinho, profundamente marcante na definição sagrada do templo
Alcobertense.
Datada do Século XX, a capela vem
substituir uma antiga ermida dedicada a São Martinho que existia no topo do
monte onde outrora se ergueria o antigo castro neolítico. Tendo lendariamente
sido destruída por um raio, a imagem do santo foi transportada monte abaixo até
à nova capela construída no centro da povoação de Teiras. Diz ainda a lenda que
a dita imagem, durante muito tempo e por vontade própria, se escapulia durante
a noite para o local onde outrora se erguia a sua capela, teimando em não ficar
na nova capela do Espírito-Santo onde reiteradamente a colocariam.
Com fachadas brancas a condizer
com o apelo à simplicidade que o culto do Espírito-Santo obriga, a capela
apresenta uma só nave, também ela de aspecto singelo, e um único óculo colocado
sobre a porta principal, deixando uma nota de luz no seu interior. O sino,
colocado num suporte simples de pedra calcária, completa o conjunto, dando um
carácter airoso ao enquadramento simbólico deste espaço sagrado.
São Martinho e o Espírito Santo
Na memória colectiva associada a
este espaço, numa linha de continuidade que assenta numa profunda sabedoria popular,
possivelmente de tradição oral e que se perpectua ao longo de várias gerações,
existe uma forte ligação aos cultos ancestrais que outrora foram desenvolvidos
no velho castro.
Se a devoção actual ao Espírito-Santo,
numa lógica de Quinto Império Sebastianista, apela ao desapego material, reiterando
a máxima de que a Portugalidade exige despojamento das vestes sujas pelas
agruras da vida para que seja possível vestir os trajes iluminados de uma
existência situada em planos etéreos muito superiores, por outro lado, a
devoção ancestral a São Martinho, o tal santo cujo mal-estar por estar colocado
na nova capela é por demais evidente, aponta
também ela para uma ritualística de pobreza que, dadas as condições naturais do
local onde estes monumentos se encontram, parece ter sido a pedra angular as
muitas vidas que por aqui se sucederam ao longo de muitos séculos.
Diz a lenda de São Martinho que,
sendo ele soldado romano em trânsito por uma estrada gelada numa das imensas
serranias do império, terá sido interpelado por um paupérrimo pedinte que,
transido de frio, lhe pediu ajuda para sobreviver ao Inverno. O Santo, sem
pensar duas vezes, despiu as suas vestes e colocou-as sobre o corpo do
desgraçado, ficando ele próprio sujeitos às inclemências do tempo. Mas Deus,
reconhecendo o gesto nobre daquele soldado, terá mudado a estação e recriado
uns dias de calor estival, dando assim condições a São Martinho para poder
regressar são e salvo à sua terra.
É esta a origem do denominado “Verão
de São Martinho”, bem como do quadro geral de despojamento que caracteriza o
culto do Espírito Santo na capela de Teira.