por João Aníbal Henriques
A morte faz parte da vida e é um
momento pelo qual todos os seres humanos estão condenados a passar. Apesar
disso, é daqueles fenómenos que geralmente nos passa ao lado, que acontece aos
outros e que procuramos manter a distância para nos defendermos da sua
permanente proximidade… no momento em que a legalização da eutanásia em
Portugal está na ordem do dia, vale a pena reflectir calmamente sobre as reais
implicações da vida e da morte no nosso dia-a-dia.
Por iniciativa do bloco de
esquerda, deu entrada na Assembleia da República uma petição solicitando a
legalização da eutanásia. O documento, assinado por dezenas de pessoas e muitas
individualidades com prestígio junto da sociedade Portuguesa, surge numa linha
de defesa intransigente do denominado ‘direito à autodeterminação’ de cada um,
e sustenta-se numa pretensa defesa da dignidade da morte e de combate ao
sofrimento.
Para os defensores da eutanásia, o
acto de matar alguém cujo prognóstico médico já não permite longevidade na duração
da sua vida, é um acto de misericórdia para com o doente e ajuda a preservar a
sua dignidade durante os seus últimos momentos de vida.
Mas a dignidade da vida não pode medir-se pela bitola do sofrimento. Pois se assim fosse, todos aqueles que por
infortúnio da sorte sofrem durante a sua vida, seriam indignos também… E não
são. O sofrimento, seja ele causado pela dor provocada por uma doença ou por um
acidente, pela morte de alguém que nos é muito querido, pela perda do trabalho
ou por qualquer outro motivo de entre tantos que infelizmente afectam a
humanidade, é parte integrante da vida e deve ser vivido de forma digna até ao
fim, sendo que cabe à sociedade encontrar respostas que permitem minorá-lo e resolver as causas que o provocaram. É esse o pilar principal da solidariedade que nos humaniza!
Na petição que solicita a
legalização da eutanásia, defende-se que o combate ao sofrimento se faça
através da morte. Mas, como bem refere a nota da Conferência Episcopal
Portuguesa sobre a mesma eutanásia, “não se elimina o sofrimento com a morte:
com a morte elimina-se a vida da pessoa que sofre”. E é completamente diferente
o modo de fazer e o resultado destas práticas antagónicas. Compreender o
sofrimento, conhecer as suas causas e debelá-lo de todas as maneiras possíveis,
é uma obrigação da sociedade perante aqueles que sofrem. Matar, pura e
simplesmente, aquele que sofre, é contornar a sua causa e provocar artificialmente
uma resposta final, sem possibilidades de reversão, que acaba com o efeito
mantendo aquilo que o causou.
Na História recente do Mundo,
temos infelizmente muitos exemplos de gente que defendeu práticas semelhantes
para resolver problemas idênticos. Na Alemanha dos anos 30 do século passado, a
morte dos inaptos (por diversos motivos que os dirigentes e então identificaram
como válidos), foi a solução encontrada para resolver os problemas.
Consequência principal: à sombra da argumentação que defendia a morte
assistida, morreram muitos milhões de inocentes com implicações psicossociais
únicas na configuração da civilização em que hoje vivemos.
Dirão alguns que a comparação é
excessiva. Dirão outros que no caso em apreço serão decisores médicos aqueles
que, com critérios científicos, avalizarão a sua concretização. Mas não é
assim. Nos países que já legalizaram a eutanásia, multiplicam-se os exemplos de
situações em que o critério que presidiu à decisão da morte foi um conceito
abstracto de “sofrimento intolerável”. Mataram-se pessoas que sofriam por estar
vivas e já não desejavam continuar a viver; mataram-se pessoas com desgostos
variados que as colocavam num sofrimento atroz; e até se mataram crianças que
padeciam de doenças graves e que nem sequer foram elas a escolher!
E em todos esses casos, teria
sido sempre possível defender a dignidade da vida, ajudando essas pessoas a
encontrar novos caminhos, novas alternativas e a recuperar o sentido e o valor da
sua vida. E nos casos de doença, seria também possível, com os conhecimentos
médicos que hoje temos, garantir o controle da dor física e reforçar de forma
humanizada a resposta aos padecimentos de outro género que aqueles pacientes
estavam a viver.
Mas a eutanásia pressupõe uma
solução mais rápida e limpa, em que a sociedade vira as costas de forma
simples aqueles que estão a sofrer e em que ratifica o acto da morte como forma
de resolver o problema.
E isso é indigno da nossa
humanidade. É indigno do dom da vida e da condição civilizacional que
actualmente ainda temos.
Para ajudar a aprofundar este
tema, procurando dar um contributo sereno e humanizado para a discussão que
agora começa, a Paróquia de Cascais recebeu recentemente Isabel Galriça Neto e
Pedro Vaz Pato para uma conferência sobre e eutanásia que decorreu no Centro
Cultural de Cascais. Com lotação esgotada, foram muitos aqueles que ouviram as
explicações dos dois especialistas sobre as várias questões associadas a este
problema e que perceberam as reais implicações que a eventual aprovação desta proposta virá trazer.
Os argumentos, compilados na nota
pastoral que a Conferência Episcopal Portuguesa agregou num documento sobre o
que está em jogo na eutanásia (ver AQUI), são simples de compreender. Não se
trata de questões ideológicas ou de convicções religiosas. Trata-se tão somente
da defesa da dignidade da vida e da responsabilidade que perante ela todos nós
temos.
Nota: Fotografias da conferência são propriedade da Paróquia de Cascais no Facebook
Nota: Fotografias da conferência são propriedade da Paróquia de Cascais no Facebook