por João Aníbal Henriques
Dizem os eruditos que a pequena
capela de Tires foi dedicada a Nossa Senhora da Graça num acto de gratidão
pelos benefícios recebidos pelos pescadores de Cascais, em 1362, quando foram
libertados do jugo administrativo de Sintra.
O templo, no entanto, é muito
mais recente, e embora não esteja datado em termos documentais, tal como acontece
com a generalidade de espaços de culto semelhantes, será provavelmente
originária do Século XVI ou XVII.
De planta simples e uma só nave,
integra-se esta capela na tipologia mais comum dos monumentos de cariz rural e
de estilo chão, espraiando a devoção dos habitantes mais humildes e geralmente
ligados de forma perene à terra e à sua produção.
A inovação da Senhora da Graça, “Ó
Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”, remete-nos
para um universo religioso profundamente marcado pelas devoções antigas que
proliferaram no actual território de Cascais desde tempos ancestrais. A
concepção imaculada da Virgem-Mãe, arquétipo primordial da religiosidade
pré-Cristã em Cascais, denota precisamente essa ligação à terra e aos ciclos da
fertilidade, conduzindo-nos, numa linha mística repleta de significado, para a
própria essência profunda e sagrada de Portugal.
De facto, Nossa Senhora da
Conceição, Rainha e Padroeira de Portugal, foi sempre elemento indissociável
das graças concedidas a este País, num fluxo constante de oração e Fé que marcou de
forma indelével os mais importantes momentos da nossa História. O apelo à
Rainha, mãe ancestral de todos aqueles que utilizam a força da natureza como
bitola definidora das suas escolhas materiais, num «Ó» de súplica que fomenta os
mantras sonoros típicos da sabedoria mais avançada, faz-se precisamente através
de um acto de entrega total e absoluta à vontade de Deus numa ligação profunda
ao martírio de Cristo em defesa dos seus pares.
Em Tires, Nossa Senhora da Graça
é assim espaço de memória que se define a partir do fulcro mais importante da
existência cultural da localidade. Com a sua estética simples, num corpo em que
a única nave abre caminho simbólico em direcção ao céu, são de sublinhar os
elementos decorativos esculpidos na pedra calcária da porta principal, nos
quais a flor, natureza em movimento, nos transporta para a concepção onírica
dos planos mais elevados. A torre sineira, simples na sua formulação, mas
perfeita na forma como se integra na estética do lugar, prima pela
proporcionalidade que fomenta o carácter da capela.
A Capela de Tires, no centro
nevrálgico da localidade, é assim uma espécie de eixo definidor que nos permite
conhecer melhor Portugal e a história recente das gentes anónimas de Cascais. Deve
ser conhecido e reconhecidamente integrado na vocação turística deste lugar.