por João Aníbal Henriques
A inovação de Nossa Senhora da
Oliveira, misto de várias lendas que congregam uma orientação devocional
ancestral, surge em diversos recantos de Portugal. Sendo maioritariamente do
Século XVIII, no que ao território nacional diz respeito, a lenda remete para
histórias antigas que provavelmente conjugam práticas e rituais pré-Cristãos
que foram sendo progressivamente integrados no culto Católico.
No caso de Samora Correia, onde a
Senhora da Oliveira surge associado à lenda do aparecimento de Nossa Senhora a
uma criança paraplégica a quem ajudou a curar-se, a lenda faz perdurar uma
atípica ligação aos ritos relacionados com o sofrimento e a dor. De facto,
Nossa Senhora da Oliveira é originariamente uma inovação que se fundamenta na
Paixão de Jesus, na Palestina, onde o sofrimento extremo do Senhor é elemento
indissociável da libertação da própria humanidade. E é esta inovação, que está
amiúde relacionada com o sofrimento intolerável da Mãe de Cristo pelo calvário
sofrido pelo seu Filho, que estabelece a relação sincrónica com a criança ribatejana
bafejada com o dom da libertação do seu suplício precisamente pela Senhora da
Dores (ou das Dores) simbolizada pela omnipresente oliveira.
A Mãe de Cristo, por extensão Mãe
da Humanidade no seu todo, congrega no seu sofrimento a dor do seu Filho, reforçando
dessa maneira a entrega total à causa da salvação da humanidade. Na Bíblia,
Nossa Senhora surge descrita precisamente como o fruto privilegiado dessa
árvore importantíssima para a qualidade de vida no médio-Oriente, dizendo-se
mesmo que a sua glória é igual ao fruto da oliveira. A santidade de Nossa
Senhora cumpre-se assim numa abordagem curativa, dela dependendo o povo para o
desvanecimento das suas chagas.
A ligação a São Tiago, que também
lendariamente terá trazido consigo a imagem de Nossa Senhora da Oliveira que se
encontra em Guimarães, estabelece também ele relação com a invocação
ribatejana, em virtude de a Igreja Matriz de Samora Correia, construída em 1721
pelo Padre Henrique a Silva Araújo, sobre as ruínas demolidas de um templo
anterior, pertencer originalmente à Ordem e Santiago da Espada, cuja inovação
surge em paralelo com a da Senhora da Oliveira.
Do espólio da igreja faz parte um
importantíssimo património azulejar contemporâneo da sua construção que, apesar
de bastante maltratado pelo terramoto de 1755 e, posteriormente, pelo grande
terramoto que afectou a região do Ribatejo em 1909, apresenta ainda um nível artístico
digno de uma atenção muito especial. Quase inteiramente dedicado a São Tiago,
cujas armas da ordem militar se encontram pintadas no tecto da igreja, os
painéis de azulejos foram assinados com a sigla P.M.P., retratando o “Mata
Mouros” como monge-guerreiro, numa alusão directa ao esforço da reconquista
Cristã e ao papel que ela teve na consolidação da Identidade Nacional.
Na fachada da igreja, a cerca de
14 metros de altura, nasceram (julga-se que de forma espontânea) uma oliveira e
uma figueira, que do alto da sua vetustez, fazem parte da imagem de marca do
monumento. Estando previsto o seu corte durante as obras de recuperação que
recentemente tiveram lugar no templo, foi amplamente criticado pelo povo de
Samora Correia que conseguiu que se mantivessem como parte integrante do mesmo.
Classificada como Imóvel de
Interesse Público desde 1957, a Igreja de Nossa Senhora da Oliveira de Samora
Correia, impõe-se na paisagem da cidade e no conjunto patrimonial ribatejano,
apresentando um conjunto de incongruências ao nível da definição espacial e da
sua localização que são bastante ilustrativas da realidade religiosa e
comunitárias deste recanto de Portugal.
Parte integrante do antigo
terreiro do Palácio dos Infantado, cuja fachada principal está para ela virada,
a Igreja Matriz de Samora Correia é inultrapassável numa visita ao Ribatejo e é
peça essencial na compreensão daquilo que foi sempre a enorme ligação de
Portugal à figura de Nossa Senhora.