Numa
época marcada pela entropia do politicamente correcto e pelo avassalador
impacto dos interesses político-eleitorais dos partidos que nos vão governando,
vale a pena recordar mais uma das histórias de coragem que dão forma à História
de Cascais. Em 1974, quando Cascais atravessava uma das maiores crises de
sempre, um jovem e destemido Provedor da Santa Casa da Misericórdia, ousou
contrariar tudo e todos e construir o hospital que considerava condigno para os
Cascalenses. E fê-lo, assumindo pessoalmente as consequências, tendo em conta
somente o interesse dos Cascalenses…
No
início da década de 70 do século passado, o velho Hospital de Cascais,
construído em 1941 com um subsídio do Fundo do Desemprego ao qual se juntou uma
parte importante do legado dos Condes de Castro Guimarães e um terreno doado
pelo benemérito Marques Leal Pancada, estava completamente obsoleto. Os 29000
habitantes do Cascais de 1940 tinham aumentado para cerca de 92700 em 1970 e o
antigo hospital, equipado com tecnologia do período da guerra, já não conseguia
dar uma resposta cabal à população Cascalense.
Paralelamente,
a Santa Casa da Misericórdia que geria o equipamento, debatia-se também ela com
graves problemas financeiros, facto que impossibilitava o avançar do muito
ansiado projecto de construção de um hospital moderno adaptado às necessidades
desta terra.
Em
Abril de 1971, numa tentativa ousada para tentar resolver os problemas, é
eleita uma nova direcção na Misericórdia. O novo provedor, o ainda muito jovem
empresário Joaquim Baraona, assume o desafio de resolver o problema, perante o
cepticismo da mais tradicional sociedade Cascalense. Depois de tomar posse, com
uma firmeza a que os Cascalenses não estavam habituados, Joaquim Baraona
dedica-se por inteiro a sanar os problemas financeiras que impediam o trabalho
daquela importante instituição e, antes do final desse ano, faz um anúncio
bombástico que deixa Cascais boaquiaberto.
Numa
entrevista concedida ao jornal “A Nossa Terra” o provedor promete iniciar de
imediato as obras de remodelação do velho hospital e dotá-lo da mais moderna
tecnologia existente nessa época. Considerando que o que existia não era
compatível com a vocação turística que Cascais vivia, Baraona menciona os avanços
técnicos e científicos que a medicina havia alcançado e refere como
exemplo uma máquina denominada “auto-analizer”, existente em vários hospitais
Norte-Americanos que era considerada um dos mais revolucionários equipamentos
do seu tempo. E, perante a estupefacção do repórter que o entrevistava, desde
logo promete que o Hospital de Cascais seria o primeiro a tê-lo em Portugal!
E
assim o fez! Procedendo a angariações de fundos e à captação de investimentos,
o jovem provedor consegue rapidamente obter os meios para proceder à
reconstrução do hospital, para o equipar com as mais modernas tecnologias e com
o dito “auto-analizer” que de imediato adquiriu nos Estados Unidos.
Mas
levantava-se um problema prático que o previdente provedor não tinha conseguido prever:
o hospital era demasiadamente pequeno e não existia espaço físico onde se
pudesse colocar este equipamento!
Mas
Joaquim Baraona não desistiu. Procurando em redor do hospital espaços vazios
onde fosse possível construir as instalações para montar o tão desejado “auto-analizer”
encontra ali mesmo ao lado, num terreno que pertencia ao Estado e que se
encontrava ocupado por um edifício onde tinha funcionado há algum tempo um
posto de apoio à tuberculose, a tão desejada solução para o seu problema. Mas surpreendentemente
foi muito mais fácil encontrar os meios para adquirir o equipamento do que
obter as autorizações governamentais para o instalar no edifício devoluto já
existente…
E uma vez mais Joaquim Baraona não esmoreceu. Com o apoio unânime da Mesa Administrativa da
Misericórdia, o jovem provedor dirigiu-se ao prédio devoluto, arrombou a porta
oficialmente selada e iniciou de imediato a instalação do equipamento. Como
seria de esperar, as vozes críticas de sempre logo se levantaram e as ameaças
surgiram imediatamente. Mas Baraona sabia que o espaço continuava
legitimamente no domínio público e assim concretizou sem mais atrasos o seu
projecto que contribuiu de forma imediata para uma melhoria significativa dos
serviços médicos do hospital e que foi responsável pela vida de milhares de
Cascalenses. O novo hospital foi inaugurado em Abril de 1974, dias antes da revolução, com a presença do Presidente da República e das mais altas individualidades do Estado e da sociedade desta terra.
Com
outro provedor é mais do que certo que ainda hoje teríamos o “auto-analizer”
por estrear e guardado numa arrecadação qualquer. Mas a coragem e a
determinação de Joaquim Baraona foi essencial na defesa dos interesses legítimos
de Cascais e dos Cascalenses, resultando numa benfeitoria que funcionou até
2010.
Porque a coragem faz parte dos genes dos verdadeiros Cascalenses…