por João Aníbal Henriques
Quando se chegada à Vila de
Arraiolos, num qualquer final de tarde estival, é impossível ficar imune à
beleza do recorte extraordinário do horizonte que envolve a sua paisagem. Por
detrás do casario, que parece ouvir-se chiar mercê do calor imenso que a inclemência
do Sol teima em provocar, vislumbram-se as sombras inquietas do velho castelo
medieval, erguido numa época longínqua quando Portugal ainda não sabia o quanto
iria durar.
O Castelo de Arraiolos, prenhe de
História e de histórias, ocupa o alto da colina de São Pedro que
estrategicamente serve de miradouro à localidade. Ali, desde tempos imemoriais que
se acoutaram homens procurando discernir e prevenir ao longe os ataques e
investidas dos inimigos que a sua condição os havia feito ganhar. Foi dali, em
assentamentos que a arqueologia já provou que se prolongam desde a
Pré-História, que os primeiros homens se dedicaram a estudar a natureza, fermentando
as ideias que hão-de gerar o sedentarismo que hoje vivemos.
As muralhas velhas que hoje ali
vemos, e que testemunham os últimos anos desta história extraordinária, são
originárias do Século XIII, quando o Rei Dom Afonso II efectua a doação da
chamada ‘Herdade de Arraiolos’ ao Bispo de Évora. Nesse documento,
provavelmente motivado pelo clima de crescente animosidade vivida com os
vizinhos Castelhanos, surge pela primeira vez a menção à necessidade de ali ser
construído um castelo.
Não se sabendo se esta ordem de
construção foi cumprida, ou pelo menos em termos parciais, mas sabe-se, no
entanto, que durante o reinado de Dom Dinis o monarca determina a construção de
novas muralhas com o intuito de reforçar a segurança do lugar e, dessa maneira,
de motivar a instalação de novos habitantes que o viessem povoar. Em 1306, o
Rei concedeu à povoação uma verba de 2000 libras para o início dos trabalhos,
tendo escolhido o Mestre João Simão para as planificar.
A confirmação do Foral de
Arraiolos, no ano de 1310, veio encontrar o novo castelo já terminado, fazendo
menção à existência da Igreja Matriz do Salvador, pitorescamente colocada no
ponto mais alto do lugar.
No tempo de Dom João I, depois da
grave crise de 1383-85, o novo Rei oferece Arraiolos ao seu braço-direito, D.
Nun’Álvares Pereira, a quem é entregue o título de Conde de Arraiolos. O
Condestável, firmemente decidido em contribuir para o sucesso do projectado
Portugal, entrega-se ali aos desígnios do céu e será a partir da Igreja do
Salvador, num acto profundamente vincado pela Fé que corporiza a sua
intervenção militar, que prepara as muitas incursões que chefiará contra
Castela que virão a traduzir-se de forma cabal nos mais importantes argumentos
a apoiar a causa Nacional.
O Santo Condestável, mais tarde
convertido por completo à regra do claustro, preparará em Arraiolos o seu
percurso de iniciação religiosa, ali bebendo, provavelmente das fontes árabes
que se foram conservando, os ensinamentos e a sabedoria que culminará na sua
entrada no Convento do Carmo, em Lisboa, e na completa e total abdicação da materialidade.
No que concerne ao castelo, a principal
nota da sua longa história prende-se com a reiterada queixa por parte dos
moradores de diversas eras relativamente ao desconforto dos ventos que o
fustigavam. Ainda no esplendor da Idade Média, quando as paredes estavam novas
e ofereciam a segurança que a população desejava, foram muitas as queixas
daqueles que alegavam ser difícil passar as noites no cimo do monte. Mesmo
depois de se fecharem as portas, correndo o risco de desagradar aos moradores
do espaço situado fora das muralhas que ficavam à mercê dos acontecimentos, a
generalidade da população acordava em que era impossível ficar lá dentro.
Terá sido esse o motivo, aliás
que terá determinado um progressivo abandono do espaço amuralhado em prol do
assentamento nas imediações do castelo, formando aquilo que é a Vila de
Arraiolos que hoje conhecemos. A população, transportando consigo as pedras das
suas casas antigas, desce da colina em direcção à planície circundante, fazendo
da nova povoação uma espécie de cópia directa do povoamento original.
Dentro das muralhas, no perímetro
mais antigo, subsistem actualmente a Igreja de São Salvador e os restos do Paço
dos Alcaides que o terramoto de 1755 acabou por arruinar definitivamente.
No início do Século XX, quando o
Rei Dom Carlos visitou Arraiolos, eram já as ruínas muito destruídas do velho
castelo que ele vai encontrar, não se conhecendo desde essas altura campanhas
de obras dignas desse nome que tivessem o objectivo de o recuperar.
Arraiolos, com o seu castelo
altaneiro, é hoje um dos quadros mais impressivos do Alentejo. A beleza do seu
horizonte, mesclado com o colorido das casas, tem o condão de nos transportar
para outras eras e para outro tempos, se sair do mesmo lugar.
Vale mesmo a pena passar um dia
inteiro por lá!