por João Aníbal Henriques
Há cerca de 1900 anos, quando as memórias dos nossos avós
mais não eram do que sonhos impossíveis dos avós deles, a cidade de Aqua
Flaviae, actual Chaves, era já uma das mais importantes metrópoles do Império
Romano.
A sua monumentalidade, profundamente ligada ao carácter
terapêutico das suas águas, deve quase tudo à decisão do Imperador Tito Flávio
Vespasiano que, no ano de 79 d.C., a elevou à categoria de município, num
ímpeto de construção que levou ao aproveitamento dos seus banhos, do caudal
mítico do Rio Tâmega e, sobretudo, das imensas riquezas minerais que começaram
a ser exploradas em todo o território flaviense. O topónimo original – Aqua Flaviae
– denota exactamente essa situação, sublinhando a dependência das águas e da
figura tutelar do Imperador Flaviano a quem a sua posse era naturalmente
atribuída.
A ponte romana, comummente designada como “Ponte de Trajano”,
foi construída no final do primeiro século da Era Cristã. Permitiu estabelecer
uma ligação viária entre a Cidade de Bracara Augusta e a cidade actualmente
espanhola de Astorga, completando assim o eixo que a partir de Roma consignava
a totalidade do território do império ao poder efectivo emanado a partir da sua
capital. Originalmente erguida sobre dezoito arcos, e cento e quarenta metros
de comprimento, foi paga pelos cidadãos que residiam na cidade e construída com
a ajuda dos legionários que faziam parte da Sétima Legião Gemina Felix.
Parte integrante da identidade municipal de Chaves e presença
constante no imaginário colectivo dos Flavienses, a Ponte de Trajano é um
excelente exemplo da forma como o período de dominação romana foi decisivo na construção
do moderno Portugal. O investimento aqui efectuado por decisão directa de Roma
e, por outro lado, a presença efectiva dos contingentes romanos no
acompanhamento das muitas actividades que eram desenvolvidas na região,
determinou a inserção plena deste espaço na dinâmica de crescimento e
consolidação do próprio império, gerando relações de reciprocidade que acabaram
por se tornar decisivas na definição dos novos parâmetros de crescimento do
futuro Estado Português.
O dealbar da globalização, numa época recôndita na qual os
meios de transporte eram ainda incipientes, acontece precisamente como
consequência do investimento romano nestas monumentais obras públicas, assumindo
a Ponte de Trajano um papel decisivo na recriação da amplitude europeia que
Roma virá consagrar.
Por tudo isto, e sobretudo porque nas pedras que compõem o
tabuleiro da Ponte de Trajano ainda ecoam os sons dos passos dos nossos avós,
vale a pena visitar Chaves e deleitar-se com o imenso impacto que este
monumento tem na própria Identidade de Portugal.