por João Aníbal Henriques
Ao contrário do que é comum afirmar-se,
a matemática nem sempre produz resultados absolutos. Por vezes, a soma de duas partes não
origina a multiplicação linear do resultado, antes desenvolvendo um factor
potenciador que reforça o carácter inesperado desse mesmo resultado...
É o acontece na Cidade de Porto
de Mós, na Região Centro de Portugal, onde o horizonte surge bem vincado pelo
perfil inesperado do seu castelo. Tendo ficado a história da sua origem
definitivamente perdida no tempo, até porque não se conhece com exactidão a
data que marca a construção da estrutura actual, o Castelo de Porto de Mós
ocupa um local estrategicamente essencial para a defesa da povoação circundante
e de todo o território Nacional. Antes dele, existiria no mesmo sítio uma
antiga fortificação de origem árabe, que foi conquistada logo em 1148 pelos
exércitos chefiados por Dom Afonso Henriques, e que, por seu turno, veio sobrepor-se
a uma estrutura anterior, provavelmente remontando ainda ao período neolítico.
O castelo que hoje ali vemos,
cuja base estrutural foi definida durante o reinado de Dom Sancho I, é o
resultado da soma de diversos contributos de várias civilizações que nos
antecederam e, também, de vários estilos arquitectónicos e artísticos. Mas, tal
como acontece com a matemática, a soma de todos estes contributos é amplamente
maior do que cada uma das partes que o compõem…
Reza a lenda que o Castelo de
Porto de Mós foi entregue, logo em 1148, ao ilustre fidalgo Dom Fuas Roupinho.
Desconhecido documentalmente (ainda) o fidalgo Português foi um dos principais
conselheiros do fundador da Nacionalidade, tendo simultaneamente assumido o
papel de primeiro Almirante da Esquadra Portuguesa. Fernão Gonçalves Churrichão
de seu nome verdadeiro, entrou na História devido à sua participação no
denominado ‘Milagre da Nazaré’, consolidando o prestígio e o poder que já
detinha por ter sido membro activo e importante da Ordem dos Cavaleiros do
Santo Sepulcro, ou seja, dos Cavaleiros Templários.
Quando caçava na Nazaré, durante
o período em que assumiu funções como Senhor de Porto de Mós, Dom Fuas Ropuinho
terá sido envolvido por uma espessa cortina de nevoeiro que, toldando a sua
vista, o impediu de perceber que cavalgava de forma intrépida em direcção ao
precipício que exista junto às falésias. Ao dar conta da desgraça eminente, e
ao perceber que estava num local muito próximo da uma gruta onde se venerava
uma imagem de Nossa Senhora, terá pedido a sua ajuda e intervenção que foi
imediatamente concedida. A Virgem fez estancar o cavalo à beira do precipício,
onde deixou uma marca bem visível na rocha, evitando a morte certa do fidalgo
Português. A devoção que desenvolveu por essa imagem, bem como a Fé profunda
que tinha no seu poder junto da sua própria vida, fez com que ali mandasse
construir uma capela dedicada a Nossa Senhora da Nazaré, que se situa
precisamente sobre a velha gruta onde o cavalo foi mandado parar pela mãe de
Jesus.
O veado que Dom Fuas caçava
naquele importante dia da sua vida enquanto Senhor de Porto de Mós, é
interpretado em termos simbólicos como sendo a própria figura do Demo, num
impulso de tentação com o qual terá tentado destruir o piedoso Templário. É,
por isso, uma luta prolixa entre o bem e o mal aquilo que trata esta lenda,
cujas reminiscências mais profundas, perdidas provavelmente para sempre no
devir histórico de Portugal, alavancam a lei dos contrastes que explica e
enriquece a Identidade Nacional.
É, por isso, num cenário
miraculoso que o Cavaleiro Templário faz nascer a sua lenda e é sobre ela,
assente num imaginário colectivo que carrega consigo velhas tradições
ancestrais, que Dom Fuas Roupinho dá corpo ao mais profundo, significante e
importante legado que corporiza a formação da Nacionalidade, resgatando das
profundezas das antigas tradições da sabedoria a chama com a qual aquece o
caldeirão alquímico sobre o qual se construiu Portugal. De facto, o novo País
nasce em ligação estreita e profunda com o ideário mariano de matriz Cristã.
Mas, na sequência daquilo que foi a cristianização do actual território
Nacional, grande parte dos valores, doutrinas e ritualísticas associados à nova
práxis religiosa, são afinal resultado da evolução natural de várias ideias
arquétipas que, mesmo sendo Pré-Cristãs, integram em si precisamente os mesmos
princípios que hão-de orientar o surgimento da mais revolucionária das
religiões Ocidentais. Entre o Cristianismo e as religiões que o antecederam,
tal como entre o Castelo de Porto de Mós e as fortificações e construções que
antes dele ali existiram, existe uma linearidade evolutiva que ao contrário do
que é comum dizer-se, pautou-se pelo respeito e pela confiança, num cenário de
evolução no qual a palavra cisão não fazia qualquer sentido.
A soma das partes, também na vida
de Dom Fuas é maior do que as partes em si próprias, fomentando um potencial de
significado que transcende largamente a história da sua própria vida.
No caso de Porto de Mós, diz a
lenda que Dom Fuas Roupinho não teve tarefa fácil. Depois de receber o encargo
de defender a localidade de eventuais investidas inimigas, não conseguiu evitar
que os exércitos muçulmanos viessem a recuperar o domínio da sua fortificação.
Mas ele, provavelmente fazendo uso dos conhecimento que detinha pela sua condição
de Cavaleiro Templário, terá encontrado um estratagema que lhe permitiu
recuperar a praça pouco tempo depois do malogrado acontecimento, num laivo
miraculoso cujos ecos perduram ao longo do tempo…
Em termos estruturais, o Castelo
de Porto de Mós que hoje vemos já pouco tem a ver com a estrutura medieval
inicial. Sucessivas campanhas de obras, que assumem o cenário idílico onde o
mesmo se ergue, com vista sobre a serra e o Vale do Lena, vão progressivamente
retirando à edificação a sua carga militar e transformando o velho castelo num
magnífico palácio onde se privilegiava a apreciação das artes e das letras. A
sua fachada actual, com os torreões cobertos de telha verde que se transformou
no ex-libris da localidade, foi construída no Século XV pelo 4º Conde de Ourém,
filho dos primeiros Duques de Bragança. E é novamente nessa ligação quase
genética ao imaginário Nacional, que Porto de Mós recupera o carácter vincado
da sua importância simbólica e a originalidade de uma existência onde a lenda
se volta a misturar com a realidade.
Isto porque, em 1385, Porto de
Mós tomou partido pelo Mestre de Avis. E, em consequência disso, foi ali que
estiveram aquarteladas as tropas nacionais nas vésperas de seguirem para
Aljubarrota, onde por intercessão de Nossa Senhora, e sob a orientação
estratégica de Dom Nun’Álvares Pereira, alcançaram uma das mais significantes
vitórias militares em toda a História de Portugal. Por reconhecimento ao seu
Condestável, o novo Rei Dom João I, simultaneamente Mestre de Avis e pai da
Ínclita Geração que haveria de dar novos mundos ao Mundo e oferecer a Portugal
a sua vocação hermética, oferece Porto de Mós a Nun’Álvares Pereira que ele,
enquanto Grande-Construtor de universos, lega por seu turno à sua filha e
genro, precisamente os primeiros Duques de Bragança. Mantém-se visível e
actuante, desta maneira, a consagração de Porto de Mós à mais profunda tradição
iniciática de Portugal, reconvertendo a sua linha de cenário num objecto pleno
de importância para quem quiser compreender verdadeiramente a razão de ser da
própria existência deste País sem igual.
O sinal marcante deste processo
de consolidação estrutural surge perfeitamente identificado com a Cruz de
Cristo e, por isso, com a própria Alma de Portugal. É ela que encabeça o
esforço inicial de Roupinho na sua faceta Templária e é ela também quem surge
enfunada nas velas que movem as naus que farão os Descobrimentos de Portugal. Diferente
da latina, a Cruz de Portugal que se corporiza em Porto de Mós é praticamente a
mesma que marca o ‘Centro do Universo’ na milenar Cidade Proibida de Pequim, da
mesma forma que é semelhante em termos físicos e de significado, às cruzes
Coptas pré-Cristãs que se encontraram na antiga Abissínia.
Depois de ter sido bastante destruído
pelo grande terramoto de 1755, o Castelo de Porto de Mós foi sucessivamente
alvo de várias campanhas de obras que consolidaram a sua vocação palaciana.
Actualmente, numa cenografia
arquitectónica definida pelo apelo à beleza e à arte, Porto de Mós é uma
espécie de capital espiritual de Portugal. O seu castelo, outrora essencial
para defender militarmente a independência do País, defende agora (e é
essencial) a própria Alma de Portugal.