por João Aníbal Henriques
Num périplo de deslumbramento
pelos cantos e recantos de Cascais, não passa despercebido a ninguém o carácter
vincado e onírico da principal casa situada na entrada da vila. A Conceição
Velha, reminiscência maior da arquitectura de veraneio, faz parte do legado mítico
que a Família Palmela deixou a Cascais e inscreve-se no imaginário colectivo de
todos os Cascalenses. É obrigatório que se conheça e reconheça o papel desta
importante família na consolidação da Identidade de Cascais e no nascimento da
vocação turística municipal.
A Casa Pamela, também conhecida
como “Conceição Velha, é uma das mais antigas e importantes construções de
veraneio da Vila de Cascais. Mandada construir em 1874 pela terceira Duquesa de
Palmela, foi projectada com traço do arquitecto inglês Thomas Henry Wyatt, recuperando
os valores estéticos do medievalismo romântico e recriando em Portugal o estilo
neogótico que a projecta como expoente máximo da denominada arquitectura de
cenário.
Enorme na sua estranha relação
com as arribas onde se ergue, a Casa Palmela define-se a partir das memórias do
velho Baluarte da Conceição que existia no mesmo lugar e que foi adquirido em
1868 pela Família Palmela ao Estado Português pela módica quantia de 2611$000
Reis. O contrato de aquisição assinado nessa data, condicionava os compradores
a manter intacta a linha de fuzilaria que acompanhava a Costa de Cascais,
obrigando a que o novo edifício pudesse ser utilizado militarmente em caso de
guerra.
A sua volumetria assimétrica,
construída em planos diversos que davam a ideia de se tratar de uma casa velha
à qual se foram fazendo acrescentos novos ao longo dos séculos, sublinha o carácter
laico da construção que, pelo menos nos seus primórdios, nem sequer tinha uma
capela que era usual neste tipo de espaços. Wyatt, o artista que se intitulava arquitecto-pintor,
recriou na Conceição Velha a força extraordinária dos fundadores da casa, aproveitando
a pedra local para erigir este autêntico monumento.
D. Maria Luísa Domingas Eugénia Ana Filomena Josefa Antónia Francisca Sales
e Borja de Assis de Paula de Souza Holstein, simultaneamente 3ª Duquesa de
Palmela, 3ª Condessa do Calhariz, 2ª Marquesa do Faial e Condessa de Sanfré no
Piemonte, foi camareira-mór da Rainha Dona Amélia e a mais importante mecenas
de toda a História de Cascais. Para além de ter mandado edificar várias casas
com o propósito de as oferecer e assim apoiar os principais artistas do seu
tempo, como a Casa Monsalvat, com traço de Raúl Lino, que construiu no Monte
Estoril para oferecer ao pianista Alexandre Rey Colaço, ou a Villa Dom Pedro,
edificada junto à baía para a escritora Maria Amália Vaz de Carvalho, a duquesa
ainda fundou e pagou o Hospital Infantil do Rêgo, as Cozinhas Económicas e
Lisboa, a Associação Nacional de Tuberculosos e o Instituto de Socorros a
Náufragos.
Bisneta de D. Isabel Juliana de
Sousa Coutinho, que passou à História como o “Bichinho da Conta”, por ter
resistido muito jovem ao poder extraordinário do Marquês de Pombal que a havia
obrigado a casar com quem não queria, e de quem a terceira duquesa herdou
certamente a coragem e a determinação, D. Maria Luís de Souza Holstein foi
simultaneamente um dos principais pilares do edifício diplomático português
depois das Guerras Liberais, papel no qual desenvolveu a sensibilidade
artística e estética que a tornarão numa das referências da cerâmica no final
do Século XIX e que explicam a excelência extraordinária do legado que deixou
em Cascais.
Mercê da enorme influência que
teve na instalação da Corte em Cascais, e na definição daquilo que há-de vir a
ser a base do charme mítico desta Nossa Terra, a Família Palmela é peça fulcral
na consolidação da Identidade Municipal e na definição daquilo que é hoje este
recanto tão especial. Merece ser conhecido por todos e reconhecido formalmente e
de forma oficial este papel único que a Terceira Duquesa de Palmela em
particular e a sua família, de forma mais geral, desempenhou na nossa História.
A bem de Cascais!