por João Aníbal Henriques
Quando a Ordem Militar de
Calatrava, em 1199, instalou nos limites da cerca do seu Castelo de Coruche um
novo povoado, criando assim condições para albergar condignamente os povoadores
estrangeiros que eram essenciais à consolidação da Independência Nacional,
estava longe de imaginar que a futura vila viesse a assumir um papel
preponderante na afirmação arreigada da cultura ribatejana.
Situada nas margens do Rio
Sorraia, afluente do Tejo que funcionou até época recente como uma das
principais vias de comunicação de ligação a Lisboa, a Vila de Benavente fez
assentar o seu devir quotidiano na sua localização estratégica e na imensa
fertilidade das suas terras. Com uma economia assente na produção agrícola, canalizando
para a capital a generalidade dos bens alimentares que produz, o concelho flui
historicamente a partir dos ciclos da natureza e dos ritmos impostos pela
exploração da terra.
Os touros, desde sempre presentes
no ideário comunitário do lugar, são acrescento com um cunho de sacralidade
ancestral, à produção hortícola, com ensejo especial para o tomate e melão, e
sobretudo à produção de cereais que durante muitos séculos representaram a
grande riqueza municipal. A Identidade Local, essencialmente vincada no milenar
orgulho de ser ribatejano, espraia-se na forma como se organiza o povoado,
determinando a construção dos principais edifícios e a colocação de monumentos
e equipamentos públicos.
Foi o que aconteceu, depois da
demolição do velho edifício onde se situavam os Paços do Concelho, com a
construção do edifício da Câmara Municipal. Espacialmente projectado para
recriar um largo fronteiro suficientemente amplo para que nele se pudessem continuar
a correr os touros, o actual edifício, onde se instalaram também o tribunal, a
cadeia e outras repartições públicas, define-se pela enorme impacto que tem na
povoação, assumindo a sua arquitectura de cenário para reforçar a sensação de
poder e ordem que dele emana.
Num primeira fase, logo após a sua
construção, em 1875, o velho Pelourinho de Benavente, construído por ocasião da
entrega à Vila da Carta de Foral manuelina, foi recolocado em posição
descentrada relativamente ao edifício municipal, mantendo assim limpa a linha
de horizonte que permitia usufruir do traço neoclássico da sua fachada e
assegurando a existência de espaço suficiente para que ali se continuassem a
realizar os espectáculos taurinos. Depois, quando perdeu o seu uso como espaço
de administração de justiça, acabou por verem-lhe retiradas as ferrarias que
sustentavam o suporte onde se colocavam as balanças oficiais para garantir a justiça
nas actividades comerciais que evoluíam nas imediações.
Em 1909, quando aconteceu o grane
sismo que praticamente destruiu por completo o casario da velha vila, o
edifício municipal sofreu danos avultados cuja recuperação determinou a
realização de obras de reconstrução que alteraram algumas das suas características
originais. No exterior, foi nessa altura construída a torre metálica que
ostenta o relógio e que, pela sua singeleza, é hoje um dos símbolos mais
conhecidos de Benavente.
Marca primeira na definição
espacial da vila, o edifício dos Paços do Concelho orienta desta forma a
própria estrutura de Benavente. Na medida em que se ia processando a
reconstrução da localidade depois do enorme cataclismo que representou o
terramoto, as gentes locais, que foram sendo alojada provisoriamente em
barracas montadas no actual terreiro da Igreja Matriz, era para ele que
convergiam as atenções daqueles que procuravam fazer valer os seus direitos e
dos que defendiam as suas propriedades. Símbolo maior da justiça, é nele que se
determinam as novas dinâmicas sociais que hão-de dar corpo à Benavente da
actualidade.
As alterações impostas por este
acontecimento, num ano funesto em termos daquilo que foram as mudanças
políticas que caracterizaram a vida em Portugal entre 1910 e meados dos aos 30,
trazem a Benavente uma nova forma de ser e de estar que lhe garantirá a
diferença e a capacidade de adaptação às adversidades que há-de ser essencial
na modernização da vila e do seu concelho.
Visitar Benavente na actualidade,
mais do que um exercício exploratório da beleza singela da vila ou sua modesta
monumentalidade, é sobretudo um desafio ao nível da capacidade de entendimento
das suas gentes, numa mescla em que a tradição se mistura com a modernidade,
definindo uma forma completamente diferente de estar e de viver. O edifício dos
Paços do Concelho, tal como Cruzeiro do Calvário, são testemunhas inultrapassáveis
desse estado!