por João Aníbal Henriques
Porque o destino sempre se impõe
à realidade, o desastre fatídico que destruiu a cidade de Lisboa no dia 1 de
Novembro de 1755, não afectou directamente o Rei nem a Família Real. Por vicissitudes
várias e naturalmente alheias ao terramoto, o Rei Dom José, a sua mulher e os
filhos, encontravam-se no Palácio de Belém naquela ocasião terrível. O Paço
Real, situado na zona fronteira ao Cais das Colunas, em pleno Terreiro do Paço,
ficou exactamente no epicentro do sismo, tendo sido a zona mais destruída da Cidade
de Lisboa.
Mas o monarca, que imediatamente
visitou a cidade para tomar nota dos estragos produzidos, ficou bastante
abalado psicologicamente pelo cataclismo. Regressado a Belém, zona considerada
de menor actividade sísmica, afirmou categoricamente que nunca mais voltaria a
viver em edifícios feitos de alvenaria e pedra. Para resolver a situação, e
ainda com medo de eventuais réplicas que ainda devastassem mais a cidade, o Rei
mandou construir, na Quinta da Ajuda, um enorme palácio real, feito de madeira
e de materiais leves, cuja estrutura marcou de forma indelével a paisagem e o
imaginário lisboeta durante muitos anos.
O palácio de madeira, conhecido
popularmente como a Real Barraca, ocupava uma vasta zona sobranceira a Belém.
Foi a sua estrutura, marcante do ponto de vista paisagístico mas também
determinante para a consolidação urbana desta parte da cidade, quem ajudou a definir
os novos arruamentos e o espírito urbanizador do novo bairro.
Agregado ao palácio abarracado,
na denominada Quinta da Ajuda de Cima, foi também construída uma Capela Real,
que tinha como principal função substituir a Igreja Patriarcal que tinha sido
bastante abalada pelo terramoto. Também elaborada em madeira, com traço de Elias
Sebastião Pope, a Capela Real integrava o único apontamento em alvenaria
existente no conjunto original. A sua torre sineira, projectada pelo Arquitecto
Manuel Caetano de Sousa, começou a ser construída em 1792, funcionando como
Patriarcal de Lisboa até 1833, quando regressou à Sé de Lisboa.
Tendo perdido a sua
funcionalidade, foi a antiga patriarcal de madeira mandada demolir no Século
XIX, tendo restando unicamente a velha torre sineira.
Sendo hoje uma imagem de marca do
Bairro da Ajuda, que conta com o galo em ferro forjado que encima a torre como
seu símbolo heráldico, a Torre da Ajuda causa estranheza a quem dela se acerca
sem conhecer a sua história. A sua monumentalidade, assente numa altura de muitos
metros que a faz sobranceira ao próprio Palácio Nacional, a torre integra oito
sinos que dão corpo à sua estrutura principal. Na cúpula, é o cata-vento em
forma de galo, feito em ferro forjado, que lhe dá o cunho de estranheza que a
torna tão imponente…
Em termos formais, a denominada
Torre do Galo apresenta uma morfologia muito semelhante àquela que foi
utilizada no Palácio das Necessidades e no Palácio de Mafra, sendo porventura
um decalque do mesmo modelo que foi aproveitado para este efeito.
Com a destruição da antiga Real
Barraca por um incêndio e com a demolição da Capela Real, a velha torre ficou
perdida no meio de um terreiro transformado em parque de estacionamento. Pelo
que representa em termos da historiografia de Lisboa, pelo impacto que tem na
paisagem da cidade e na definição do imaginário colectivo da Ajuda e de Belém, merecia
que ali se concretizasse um projecto de valorização qualquer. Os escassos
metros que a separam do palácio actual, com um murete de separação que regula o
desnível produzido pelo terreno, não faz nenhum sentido, representando um
verdadeiro atentado patrimonial à memória dos Portugueses.