por João Aníbal Henriques
A Torre Mourisca de São João da
Ribeira, no Concelho de Rio Maior, é um dos mais significativos testemunhos da
História do Ribatejo. Tem, por um lado, agregado a si a aura lendária da sua
relação aos mouros, durante o período de ocupação Árabe da Península Ibérica e,
por outro lado, tem também o impacto visual que resulta da sua sobranceria em relação
à povoação que a envolve.
Não sendo um documento, no
sentido tradicional do termo, basicamente por pouco se conhecerem as suas
origens, é certamente um marco de memória de um dos períodos mais conturbados e
importantes da formação e consolidação da nacionalidade Portuguesa.
De acordo com a documentação
existente, a Torre Mourisca de São João da Ribeira terá sido edificada no ano
de 1111. Misto de vigia e de atalaia, com o seu coruchéu engalanado com as
ameias que serviam de protecção, terá servido como posto avançado de controle
das investidas cristãs durante as guerras da reconquista cristã que Dom Afonso
Henriques levou a afeito. De facto, no período em questão, foi nestes espaços
de ninguém, nos quais a incerteza política reinava, que se escreveram as mais
heróicas e importantes páginas da historiografia medieval, definindo dinâmicas
de aculturação que haveriam de promover a transição entre os dois poderes
políticos de então.
A cristianização da Península
Ibérica, definida no actual território concelhio de Rio Maior a partir de um
esforço de integração das antigas estruturas árabes (e possivelmente também da
populaça e das elites religiosas locais…) nas ovas estruturas Cristãs, recria
realidades de transição que atestam a forma como tudo se passou e a importância
que a actuação de conquistados e de conquistadores teve para que a
medievalidade se tenha imposto sem custos de maior para as populações.
Agregada à Torre Mourisca de São
João da Ribeira, é hoje possível visitar a Igreja de São João Baptista que,
para além de cristianizar toda a imagética associada à figura ascética do
baptista, recupera também de forma simbólica a própria organização espacial do
lugar. A nova igreja cristã, singela
como o são todos os espaços de culto que foram edificados durante este período
remoto da implantação da nova fé no território nacional, será com toda a
certeza o reaproveitamento da antiga mesquita muçulmana, num devir devocional
do qual fazem parte as estruturas simbólicas de ambas as religiões.
A sacralidade associada à Torre
Mourisca, bem visível na sua ligação à igreja e ao cemitério actual, define o
eixo orientador do próprio desenvolvimento urbanístico da localidade,
estabelecendo uma organização espacial a que não é alheia o próprio carácter
subjacente ao terreno onde a mesma se insere. Reza a lenda local que, por
exemplo debaixo do grande cruzeiro oitocentista que se encontra colocado junto
ao adro da igreja, existem um conjunto de sepulturas antigas do período
muçulmano que o dito monumento, marcando de forma perene o espaço em questão,
pretende cristianizar e, dessa maneira, sacralizar. Só que, como facilmente se
percebe, todo este ensejo de demarcar estruturas de fé, se dissolve na
puerilidade de crenças ancestrais. De facto, o carácter simbólico subjacente
aos enterramentos originais não se altera, antes se modificando, mas somente
num plano de simbologia, a orientação específica que determina a sua natureza.
A islamização do actual território rio maiorense, tal como, alguns séculos mais
tarde, a sua re-cristianização, define-se a partir desta praxis de aceitação,
apesar de os testemunhos materiais que nos restam parecerem apontar para uma
cisão que efectivamente nunca existiu.
Tendo sido recuperada em 2016
pela Câmara Municipal de Rio Maior, a Torre Mourisca de São João da Ribeira é
hoje um marco inultrapassável numa visita ao Ribatejo, impondo na paisagem a
agrura do seu perfil branco e recuperando as memórias do espaço envolvente.