As memórias antigas de Viseu
estão ainda hoje profundamente ligadas ao legado deixado pelo Infante Dom
Henrique. O navegador visionário, Mestre da Ordem de Cristo, testemunha o
carácter ancestral da ligação de Viseu ao Mundo, numa atitude cosmopolita que
contrasta de for evidente com a práxis quotidiana da cidade ao longo dos
últimos séculos.
O ilustre infante, senhor do
Ducado de Viseu, geria os seus domínios a partir do paço que possuía junto à
Porta do Soar, do qual terá feito parte, e perto do sítio onde actualmente se
encontra a singela Capela de Nossa Senhora dos Remédios.
Certamente por mera casualidade,
pois o templo foi construído somente em 1742, a capela apresenta uma curiosa
planta octogonal, em linha com o que terá sido a planta principal dos templos erguidos
pela ordem que o Infante dirigia, complementada com um altar de talha polícroma
composta a partir de um conjunto de índole tardo-barroca.
A capela, que terá vindo
substituir uma anterior dedicada a São Sebastião e datada do Século XVI, ocupa
posição estratégica no seio do eixo de protecção da cidade. A porta do Soar,
também conhecida como Arco dos Melos, em homenagem à família cujo solar se
encontrava a ela adossado (actual Hotel Palácio dos Melos), era uma das
principais portas de entrada na cidade e São Sebastião, a quem o templo tinha
sido dedicado, tinha como função principal proteger o espaço mais importante de
Viseu da peste e de outras enfermidades, dado ser ele o padroeiro protector contra
esse tipo de males. Por isso, mais do que por qualquer motivação de âmbito
sagrado, ocupará a actual capela a posição em que se encontra no Largo do Pinto
Gata, que era a antiga Praça da Erva.
Construída à custa das esmolas
dos devotos, terá a iniciativa da sua edificação partido de um grupo de
moradores da Praça da Erva, com a motivação de prestarem homenagem à sua
padroeira. Em 1739, o então Cónego Bernardo Pereira de Melo, em resposta à
pretensão dos moradores, assina uma escritura de doação de um conjunto de
pequenas casas com o intuito de aí se edificar o novo templo. As obras foram
conduzidas pelos pedreiros minhotos Manuel Lourenço e Manuel Ribeiro, tendo
sido necessário ao Cabido da Sé a oferta de vários apoios dado a escassez das
esmolas que os moradores conseguiram pedir.
O espólio, simples tal como a
formulação do próprio templo, veio da Capela de São Lázaro, que tinha sido
demolida em 1816, por iniciativa da Confraria de Nossa Senhora dos Remédio, que
tinha sido institucionalizada no ano de 1747. Depois de passar para as mãos da
família Melo, que dela se apossou em meados do Século XIX, a capela volta ao
uso público já no Século XX depois de ter sido arrematada em leilão pela
edilidade de então.
Guardiã da memória histórica da
Cidade de Viseu, ali colocada como sentinela firme que testemunha a entrada e
saída por aquela que é uma das mais importantes portas do burgo, a Capela de
Nossa Senhora dos Remédios esconde aos olhos menos atentos as memórias velhas
do Infante Dom Henrique de Portugal que, na sua planta octogonal, esconde os
desígnios mais profundos da Portugalidade e o ensejo de trazer novos mundos ao Mundo.
Enfim… a Capela de Nossa Senhora
dos Remédios, em Viseu, é testemunho vivo da própria Portugalidade.