segunda-feira

A Ermida de Nossa Senhora do Pranto na Chamusca




por João Aníbal Henriques

Se existe terra onde a tradição ribatejana impera, é na Chamusca que isso mais se sente. Localizada junto à margem do Rio Tejo, do qual depende de forma directa a vila tem uma história longa de velhas práticas agrícolas, nas quais o gado assume especial importância.

Talvez por isso, num contexto em que a importância da terra se impõe, a dicotomia é grande e concretiza-se na diferença marcante entre a arquitectura chã das suas habitações mais humildes e a opulência grandiosa das velhas casas senhoriais que davam guarita às famílias mais importantes ligadas à posse dos terrenos de cultivo existentes nas redondezas. A paisagem chamusquense é assim de casario branco em correnteza, dando lugar, aqui e li, ao surgimento das habitações veneráveis de uns quantos.

A dependência próxima do rio e dos ciclos agrícolas que derivam do mesmo, sente-se em cada esquina, até porque as margens do Tejo são factor de destaque na paisagem, sendo que o verde da primeira linha de água, indicando o carácter fértil daquele lugar, se mantém suficientemente afastado da localidade para precaver possíveis cheias quando as águas sobrem e galgam as margens saindo do leito.




Um dos mais bonitos monumentos da Chamusca, situado no topo de uma das colinas adjacentes, é a Ermida de Nossa Senhora do Pranto. Com uma vista única sobre a Vila da Chamusca e sobre a lezíria, a singela ermida integra-se na tipologia simples dos espaços rurais onde foi construída, integrando um conjunto em que se destaca um enorme cruzeiro calcário e um pequeno adro ladrilhado de onde é possível perceber bem a dinâmica histórica do local onde se insere.

Apesar de a sua origem remontar ao Século XVII, sendo dessa altura a capela de São José que a integra, o corpo principal é muito mais recente. Para além das obras de conservação e adaptação que foi sofrendo, e que lhe conferiram a imagem que hoje tem, a ermida foi ainda integrando elementos decorativos que possivelmente terão resultado de aproveitamentos oriundos de espaços análogos que eventualmente tenham desaparecido nas redondezas. É o caso do velho cruzeiro que está incrustado na sua parede, e que terá precedido, junto ao adro, o actualmente existente, alguns retábulos, bem como alguns dos maravilhosos painéis de azulejos que por dentro a revestem.

A Ermida do Pranto, numa devoção que conta com quase 200 anos de história, está intimamente ligada a um dos acontecimentos mais marcantes da História recente de Portugal: as invasões francesas. Reza a lenda que quando os exércitos napoleónicos chegaram ao Ribatejo, aquartelando-se na Golegã e preparando um assalto às terras da Chamusca, um conjunto de populares se refugiou na velhinha Capela de São José, no cimo do monte, para daí verem com mais cuidado o avanço das tropas na outra margem do rio. Apavorados com o que estava a acontecer, e em pranto por saberem quais seriam as consequências que iriam sofrer caso os Franceses chegassem à sua terra, os Chamusquenses terão rezado a Nossa Senhora e solicitado a sua intercessão para os salvar do desastre. Prometeram ainda, caso se salvassem deste acontecimento nefasto, a construção de uma nova capela em honra da Senhora do Pranto.




Como que por milagre, quando os Franceses se preparavam para atravessar o rio, as águas terão subido subitamente impedindo a travessia e salvado a Chamusca da mesma destruição que outras terras conheceram. Os Chamusquenses, gratos a Nossa Senhora, terão então remodelado a Capela de São José, construindo em seu torno a actual Ermida do Pranto!...

Ainda existe, guardada na sacristia da velha Capela de São José, uma das balas que os Franceses dispararam contra a Chamusca em desespero por não conseguirem chegar a ela durante a primeira invasão napoleónica a terras Portuguesas.