por João Aníbal Henriques
Quem chega à Ribeira do Porto
deslumbra-se de imediato com o impacto extraordinário da paisagem. As duas
margens, irmãs na forma como partilham as águas do rio mas apartadas por
séculos de rivalidades recíprocas, compõem um cenário digno do melhor filme de
Hollywood, no qual as cores e as texturas transmitem de forma muito evidente o
peso enorme da suas história e a importância que a cidade invicta sempre teve
na própria História de Portugal.
Mas junto à Ponte Dom Luís I, que
se impõe na paisagem, existe um pequeno monumento que passa despercebido aos
mais desatentos e que é marca indelével de outros tempos e de outras histórias.
Tendo ficado como repositório de memória, importa recuperar aquilo que se sabe
sobre a antiga Ponte Pênsil D. Maria II, cujos pilares sobrevivem com a
velhinha casa do guarda, testemunhando por seu turno a enorme tragédia humana e
política que configurou a chamada Ponte das Barcas que ela veio substituir.
Sendo a ligação entre as duas
margens do Rio Douro uma preocupação constante e uma necessidade permanente ao
longo dos séculos, muitas foram as tentativas de construção de pontes que
permitissem fazer a passagem em segurança. Sobretudo desde o final do Século
XVIII, quando o transporte das pipas de vinho do Porto se tornou numa
actividade verdadeiramente lucrativa e importante, foram sendo construídas
sucessivas, embora sempre muito frágeis, pontes de barcas a ligar as duas
margens. Utilizando velhas barcaças já fora de uso, que eram ligadas entre si
com correntes, os portistas de então criavam soluções que embora fossem pouco
duradouras, eram mesmo assim mais acessíveis do que o transporte por barco
através das águas do rio.
A última dessas Ponte das Barcas
foi inaugurada em 15 de Agosto de 1806 com traço de Carlos Amarante e nela
aconteceu uma das maiores tragédias da História de Portugal. Durante a Segunda
Invasão Francesa, dirigida pelo Marechal Nicolas Soult, as tropas francesas
ocuparam a cidade do Porto e chacinaram a população que, em pânico, acabou por
tentar fugir através da ponte que atravessava o rio. A estrutura, muito frágil
e desapropriada para aguentar o peso das cerca de 4000 pessoas que tentavam
fugir, acabou por perecer, matando nas águas gélidas do Douro milhares de
Portugueses.
A tragédia da Ponte das Barcas,
marca indissociável da memória colectiva de Portugal e dos Portugueses, transmite
em si própria o extremo desespero de um país verdadeiramente abalado pelas
alterações políticas que caracterizaram o final do Século XVIII e o início do
Século XIX, marginalizado numa Europa que se definia a partir do eixo Londres –
Paris e fragilizado pelas sucessivas aventuras políticas em que se havia
embrenhado. A morte daquelas 4000 pessoas, contrasta de forma evidente com a
vitória de Portugal sobre o exército francês mas denota também a dependência
quase eterna relativamente à Coroa Britânica…
A antiga Ponte das Barcas no Douro
Para substituir a Ponte das
Barcas, e possivelmente para ajudar a esquecer a imensa tragédia que se havia
abatido sobre a cidade, os poderes locais optam então pela construção de uma
nova estrutura de carácter mais perene.
Com desenho do Engenheiro
Stanislas Bigot, a nova ponte suspensa que ligava ambas as cidades do Porto e
de Vila Nova de Gaia, foi ironicamente construída pela empresa francesa
Claranges Lucotte & Cie., tendo sido inaugurada (sem pompa nem
circunstância) em Fevereiro de 1843.
Antes de ser substituída, cerca
de quarenta e cinco anos depois, pela nova Ponte Dom Luís, foi completamente
desmontada, subsistindo somente os ditos pilares de suporte na margem do Porto,
bem como a parede-mestra da antiga Casa do Guarda, que tinha como função
principal a cobrança das portagens relativas à travessia.