por João Aníbal Henriques
A origem mourisca da cultura
Portuguesa, assente na recuperação de valores estéticos, artísticos e mesmo
religiosos dos ocupantes maometanos que estiveram na Península Ibérica a partir
do ano de 711, é ainda hoje visível em usos e costumes um pouco por todo o
País.
No Alentejo, que durante mais
tempo sentiu a influência árabe, grande parte das localidades, na sua vertente
de distribuição urbanística e também na componente estética das suas casas,
apresenta características desse período, integrando elementos que foram criados
nessa época e fazendo o aproveitamento de técnicas de construção que os mouros
delinearam.
No Alvito, no coração da
província Alentejana, é precisamente a memória moura que determina o carácter
extraordinário da povoação. Ele vive-se e sente-se em cada canto e recanto,
numa profusa amálgama de pequenos detalhes que deslumbram quem ali chega.
No Rossio de São Sebastião,
aproveitando o topónimo que o consagra, ergue-se a velha ermida com o mesmo
nome e, para espanto de todos aqueles que questionam os locais sobre o que é a
porta enorme que existe nas suas traseiras, uma autêntica “fábrica de mós”.
A ermida de cunho mudéjar bem
definido, foi construída algures no Século XVI, sendo dessa data as primeiras
referências documentais que se conhecem, provavelmente aproveitando quaisquer
vestígios mais antigos que tenham subsistido do período de domínio muçulmano.
Inserida no gótico final alentejano, que procura o deslumbramento de quem a
visita, a ermida é um edifício simples, como o são quase todos aqueles que a
pobreza que se vivia no Alentejo nessa época determinava, mas possui no seu
interior um conjunto de inestimável valor de pintura mural, em forma de
frescos, pintados provavelmente por José Escobar em 1611.
A dedicação a São Sebastião,
cruzada com a localização na entrada da localidade, dever-se-á ao carácter protector
deste santo relativamente às pestes. Com a colocação neste local, os seus
construtores terão pensado que conseguiriam travar a entrada da peste no Alvito, ao mesmo tempo que recriavam uma barreira perante possíveis invasões
que pudessem chegar daquele lado.
Mas o mais interessante, ainda
para mais com uma datação que precede bastante a construção da própria ermida,
é a existência, nas traseiras da mesma, de um conjunto vastíssimo de grutas
artificiais, denominadas oficialmente como “Grutas do Rossio”. Estas galerias,
escavadas na rocha-mãe que suporta os alicerces da própria ermida, surgem na
documentação como sendo antigas minas de exploração de calcário no Século XIII.
Mas notas documentais indirectas, que foram encontradas recentemente, apontam
para a utilização dos túneis como saídas alternativas do velho castelo mouro e
dos demais edifícios importantes existentes na velha vila alentejana.
A tradição popular, ainda hoje
transmitida pelos habitantes do local a quem os visita, é que aquele é um
espaço assombrado pelos mouros, sendo autênticos viveiros onde cresciam mós!
Mas nas crónicas templárias
medievais, cujo conteúdo se dedica sobretudo à reconquista das terras
alentejanas, o sistema de túneis do Alvito é explicado como sendo um conjunto
de pedreiras onde os mouros exploravam a pedra calcária, tendo sido escavadas
por mão-de-obra escravizada durante as muitas batalhas que aconteceram na
região.
O certo é que entre 1190 e 1191,
depois de o Rei Dom Sancho I ter chegado a Silves, no Algarve, o contra-ataque
mouro redobrou a sua força. Sob a liderança de Ya’qub Al-Mansur, o exército
árabe terá retomado o controle de vastas áreas na região do Alentejo interior,
das quais fazia parte a actual Vila de Alvito, transformando o seu castelo no
ponto de referência na defesa das suas fronteiras. Em virtude dessa decisão,
terão sido canalizados para ali os muitos escravos Cristãos capturados durante
as batalhas, tendo-lhes sido dada a incumbência de escavar as minas e de criar
os túneis que hoje conhecemos.
D. Frei Pedro Álvares, oitavo
Mestre do Templo em Portugal, terá então liderado um ataque às posições mouras
sediadas no Alvito, tendo conseguido ludibriar o inimigo e libertado a totalidade
da população escrava que estava encerrada naqueles espaços subterrâneos.
Por isso, é ainda hoje
cognominado como o “Herói do Alvito”, mantendo aquele espaço o cunho
indestrutível de bastião templário de Portugal!