por João Aníbal Henriques
É extremamente impactante a
impressão que produz uma primeira visita ao Castelo de Mourão. Por um lado, a
inexplicável linha de horizonte, misturando os resquícios antigos da paisagem
seca do Alentejo de outros tempos com os panos de água do Grande Lago, que lhe
conferem a singeleza subtil de uma frescura imaginária que o corpo não sente.
Por outro, o estado de imensa degradação, num laivo que roça os travos amargos
do abandono e da ruína, dando conta do
enorme desprezo pelas mais importantes peças da memória e da História de
Portugal…
O Castelo de Mourão, cuja actual
construção se iniciou em 1343 com traço de Mestre João Afonso e por ordem d’El-Rei
Dom Afonso IV, é uma fortificação de cariz militar situada a poucos minutos da
raia fronteiriça. É, aliás, esta condição, que representa a sujeição ao clima
de permanente instabilidade que resulta da sua inclusão numa zona de fronteira,
que determina a sua importância, bem como muitos dos rocambolescos episódios
que a constrangeram ao longo do tempo.
Essa proximidade, é também ela determinante
para definir os antecedentes da história do local, uma vez que dificilmente se
concebe a conflituosidade permanente que existiu neste local desde (pelo menos)
a fundação da Nacionalidade, sem que nela tenha existido uma fortificação
condigna. Muitas das informações existentes sobre este espaço apontam para a
existência de vários momentos de construção anteriores à data apontada, sendo
certo que, pela sua localização geograficamente relevante e profundamente
simbólica em termos estratégicos, seja razoável aceitar que terá existido por
ali alguma construção defensiva pelo menos desde a ocupação muçulmana.
Na primeira Carta de Foral
atribuída à vila alentejana, datada de 1226, O Rei Dom Sancho II doa Mourão aos
Cavaleiros da Ordem dos Hospitalários precisamente com o intuito expresso de “incentivar
o seu povoamento e defesa”. Em linha com esta indicação, fácil se torna
perceber a importância militar que o local possuía e a natural decisão de ali
construir ou reconstruir um baluarte defensivo que pudesse contribuir para a
consolidação da Causa Nacional.
De qualquer forma, existe uma
lápide epigrafada colocada na Torre de Menagem, que indica expressamente a data
de 1343 para a construção desta estrutura: “ERA DE MIL CCC OITENTA E I ANOS PRIMO DIA DE MARÇO DOM AFONSO O QUARTO
REI DE PORTUGAL MANDOU COMEÇAR E FAZER ESTE CASTELO DE MOURÃO E O MESTRE QUE O
FAZIA HAVIA NOME JOÃO AFONSO QUAL REI FOI FILHO DO MUI NOBRE REI DOM DENIS E DA
RAINHA DONA ISABEL AOS QUAIS DEUS PERDOE O QUAL REI É CASADO COM A RAINHA DONA
BEATRIZ E HAVIA POR FILHO HERDEIRO O INFANTE DOM PEDRO”.
Uma das histórias mais
interessantes, acontecida pouco tempo antes do início das obras do castelo,
decorreu em 1313, quando o Rei Dom Diniz, num esforço hercúleo para consolidar
as fronteiras, entrega a Vila de Mourão a Dom Raimundo de Cardona com a
indicação expressa de este não construir ali uma fortificação. Terá tal decisão
resultado do facto de já existir por lá uma estrutura defensiva suficiente para
os projectos reais? Ou terá somente resultado de um pensamento estratégico por
parte do Rei, percebendo que era ainda volátil a linha de fronteira e que não
convinha estar a construir estruturas que posteriormente pudessem vir a ser
utilizadas contra Portugal? Não se sabe ao certo. Mas, como o inesperado quase
sempre impera nestas terras de deslumbramento, falta dinheiro ao novo Senhor de
Mourão e a opção que este toma, em claro desobedecimento à vontade do Rei, passa
pela venda em leilão da vetusta vila raiana. O comprador, um tal Martim
Silvestre, natural de Monsaraz, adquire Mourão pela singela importância de
11.000 Libras em 19 de Abril de 1317. Mas poucos dias depois, a 15 de Maio
desse mesmo ano, o feliz comprador recebe ordem Real para que lhe revenda a
vila pelo mesmo valor pela qual a comprou, determinando que Mourão tem uma
importância definitiva na determinação da linha de fronteira da qual dependia a
própria independência de Portugal.
Depois de vicissitudes diversas
que dão forma ao devir histórico de Mourão, e de diversas intervenções que vão
actualizando a componente militar da estrutura defensiva, o castelo vai
conhecendo uma progressiva perda da sua importância estratégica, facto que se
reforça depois da consolidação da restauração da independência Nacional em
1640. São dessa época a adaptação dos seus panos de muralha às novas exigência
da moderna artilharia, e pouco tempo depois, a destruição visível causada pelo
grande terramoto de 1755.
Daí até agora, e apesar de
continuar a existir um conjunto de vestígios que vale a pena visitar, como a
antiga Casa dos Guardas e os antigos Paços do Concelho, para além da velha
cisterna que resiste sob os pés dos visitantes, a marca maior do Castelo de
Mourão é o abandono e a ruína.
Classificado como Imóvel de
Interesse Público em Julho de 1957, só vinte anos depois, em 21 de Junho de
1977, é o castelo doado por escritura pública ao Município de Mourão pelo seu
então proprietário Marcos Lopes de Vasconcelos Rosado.
Mas apesar disso, e de obras
pontuais efectuadas para reforçar a estrutura e impedir a sua completa ruína, o
Castelo de Mourão é hoje pouco mais do que um espectro semi-derruído daquilo
que foi noutros tempos. Ressalva especial para o enquadramento cénico que a
Barragem do Alqueva lhe trouxe e para a maravilhosa e mística paisagem que o
que dele resta impõe a quem o visita.
Que pena Portugal não perceber a
importância de um património riquíssimo como este!