por João Aníbal Henriques
Parte integrante do imaginário urbano da Vila de Cascais, a
Casa Sommer, no espaço da antiga Parada, é uma das peças mais importantes e
significativas do património cascalense. Em estado avançado de degradação há
demasiados anos, foi adquirida pela Autarquia e adaptada para instalar o
Arquivo Histórico Municipal. Na sua futura função de guardiã das memórias municipais,
mas também enquanto elemento singular na definição da Identidade Cascalense, a
Casa Sommer é um excelente exemplo do que pode e deve fazer-se nesta Nossa
Terra.
Romântica pelo seu enquadramento
urbanístico nos terrenos fronteiros à antiga Parada de Cascais e neoclássica
pela formulação arquitectónica que compõe a sua fachada e estrutura decorativa,
a Casa Sommer, em Cascais, é um dos monumentos mais significantes na definição
do que foi a Vila no período em que foi edificada.
Mandada construir por Henrique de
Sommer, algures entre o final do Século XIX e o início do Século XX, o imóvel
acompanha em termos estéticos a evolução dos modelos construtivos que
caracterizaram a Vila de Cascais durante essa época. Apesar do seu cunho cenográfico,
a casa repõe uma linha arquitectónica mais séria e funcional que vai esbatendo
progressivamente os cunhos oníricos do romantismo de alguns anos atrás.
O apelo aos valores do
classicismo, bem visíveis, por exemplo, no pórtico de entrada da moradia,
traduz as alterações que estavam a acontecer no paradigma social do Cascais de
então. Depois da instalação do Rei Dom Luís e da Corte,
em 1870, que trouxe para Cascais aqueles que virão a ser os alicerces de uma nova
sociedade em Portugal, as casas e os espaços públicos passam a desempenhar um
papel importante enquanto elementos de afirmação e reconhecimento social. Com a
chegada do novo século, associado à indefinição política que virá a servir de
mote para a posterior implantação da república, cria-se um espaço alternativo
no qual se encaixam os valores renovados de uma elite empreendedora para quem o
sangue mais não é do que elemento que ajuda a reforçar o seu reconhecimento
funcional.
O sucesso empresarial de Henrique
Sommer, profundamente ligado à indústria do ferro e dos cimentos, enquadra-se
já numa nova dinâmica de modernização do País, alheia aos valores antiquados
que haviam servido de mola propulsora ao nascimento do Cascais Real. A casa que
mandou construir num dos mais nobres locais da vila, cenograficamente
impactante, é por isso um misto de testemunho e de prova, sustentando aquele
que virá a ser o devir histórico que alterará profundamente a vida de Cascais,
abrindo caminho para o despertar dos primeiros movimentos nacionalistas e para
o nascimento da posterior vocação turística municipal.
A afirmação, num contexto em que
a componente familiar assume primordial importância, surge associada de forma
muito próxima aos critérios de construção utilizados na época, facto que
explica a singularidade deste edifício no contexto patrimonial da vila de
Cascais.
Numa época em que Cascais assiste
impávido à destruição paulatina dos seus principais valores patrimoniais, com a
desagregação dos núcleos urbanos identitariamente fundamentais, como é o caso
do Monte Estoril e dos principais núcleos rurais que ainda subsistem no
território municipal, a recuperação da Casa Sommer é uma excelente notícia que,
contrariando a prática em curso, defende a memória local e promove a identidade
municipal.
Resta esperar que este bom
exemplo se transforme no cadinho que dará forma às muitas intervenções que num
futuro próximo vão acontecer na Nossa Terra.